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Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

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A economia do hidrogênio e a tecnologia nuclear, por Marcelo Linardi (I parte)

Fonte: Blog Tania Malheiros

"Nos últimos anos a discussão sobre as possibilidades de utilização da energia do hidrogênio como base energética tem se intensificado. Essa discussão foi acelerada, recentemente, por acontecimentos como: a invasão da Ucrânia pela Rússia, colocando entraves ao comércio de gás natural na Europa e, não menos importante, a aceleração das mudanças climáticas, refletida em eventos do clima extremos por todo o planeta, causando muita destruição, mortes e prejuízos incalculáveis à humanidade.

O vetor energético hidrogênio representa uma ótima possibilidade como substituto, setorialmente, para os combustíveis fósseis, no Brasil e no mundo, em que pese o fato de a nossa matriz elétrica já ser em torno de 85% renovável, segundo o próprio Presidente Lula, em discurso recente na Assembleia Geral da ONU. Nenhuma dessas informações é novidade, fato que nos conduz ao objetivo deste artigo.

Especialistas alegam que a opção renovável não importa ao Brasil neste momento, ou ainda que a introdução de carros elétricos não resolveria o problema das emissões nocivas ao meio ambiente ou tampouco que se trata de uma energia limpa, devido à mineração maciça de seus insumos. Pondera-se ainda, que o hidrogênio é inviável economicamente - e também energeticamente – sendo apenas um sonho a desejada Economia do Hidrogênio.

Todas essas afirmações são, no mínimo, apressadas ou mesmo superficiais. Portanto, temos por objetivos tecer algumas considerações sobre esses assuntos, sem esgotá-los, definir alguns termos e, por fim, listar algumas possíveis contribuições que a tecnologia nuclear pode fornecer neste desenvolvimento tão crucial neste momento da humanidade.

Visando, então, a definição do conceito de Economia do Hidrogênio recorre-se ao desenvolvimento tecnológico ao longo da história. A humanidade passou por vários períodos de utilização de diferentes fontes primárias de energia. Podemos citar, por exemplo, a madeira como a primeira fonte primária de energia utilizada pelo homem. Segue-se a este período a era do carvão que, associada a desenvolvimentos tecnológicos, possibilitou a revolução industrial.

Denomina-se então a Economia do Carvão para este período da história, onde grande parte da energia que alimentava a economia provinha do carvão. Seguiu-se, posteriormente, a Economia do Petróleo/Gás Natural, que é a que vivemos hoje. É interessante notar que houve uma descarbonização progressiva das fontes primárias de energia.

Décadas atrás sonhou-se com uma Economia Nuclear, que por motivos diversos (como: a não-aceitação pública, após os acidentes de Chernobyl e Fukushima, além de questões de não-proliferação de armas nucleares) não aconteceu.

Portanto, define-se a Economia do Hidrogênio como sendo a economia, cuja fonte energética principal (mais de 90%), que move essa economia, num certo período da humanidade, provenha do vetor energético hidrogênio, que por sua vez, pode ser obtido de diversas fontes primárias de energia, preferencialmente, de origem renovável, em detrimento à de origem fóssil.

Outra observação interessante se faz necessária e diz respeito à geografia. Todos os recursos naturais de fontes de energias primárias estavam ou estão localizados em determinadas regiões do planeta, beneficiando, naturalmente, os países destas regiões. Este fato gerou e gera conflitos político-econômicos e até guerras.

Por outro lado, a obtenção do gás hidrogênio tem um caráter bastante flexível, sendo este fato uma de suas características mais interessantes. Ele pode ser obtido a partir de energia elétrica (via eletrólise da água), pelas fontes: hidroelétricas, geotérmicas, eólica e solar fotovoltaica, todas geológicas, ou também da eletricidade de usinas nucleares. Também pode ser obtido da energia da biomassa (via reforma catalítica ou gaseificação, seguido de purificação), como: etanol, lixo, rejeitos da agricultura, por exemplo.

A fonte de hidrogênio mais viável economicamente é, entretanto, o gás natural. Seguramente, o gás natural fará, como fonte principal de hidrogênio, uma transição, uma ponte, entre o hidrogênio não renovável e o renovável, também conhecido como hidrogênio verde, ou ainda, de baixo carbono. Essa transição é bem-vinda, pois suaviza a transição tecnológica e já traz benefícios em termos de eficiência energética, se compararmos à simples queima do gás metano.

A rota do etanol como insumo renovável para a obtenção de hidrogênio é particularmente importante ao Brasil. Talvez o único país que pode explorar esta linha de produção, no mundo, em grande escala, devido às suas características, aliás as mesmas que geraram o sucesso do Proálcool, após o desenvolvimento dos carros Flex. Esta flexibilidade em relação à sua obtenção permite que cada país escolha sua melhor maneira de produzir o hidrogênio, segundo suas próprias disponibilidades.

Em uma plena economia do hidrogênio, as emissões poluidoras seriam insignificantes; a eficiência de conversão energética químico/elétrica seria pelo menos o dobro da atual e os conflitos geopolíticos, de origem energética, poderiam ser atenuados (fato inédito na humanidade).

Alguns pontos críticos para o desenvolvimento da Economia do Hidrogênio podem ser citados. O hidrogênio é um vetor energético, ou seja, não está disponível na natureza, precisando ser obtido de uma fonte primária que o contenha, elevando obviamente, o seu custo. Este fato tende a ser minimizado com a produção em grande escala.

Outro ponto crítico seria a segurança em seu manuseio, armazenamento e transporte. Entretanto, a tecnologia pode equacionar este aspecto, como ocorreu com outros tipos de combustíveis no passado. Há também uma necessária mudança de paradigma na indústria, onde toda forma de produção de energia e de meios de transporte têm de ser modificada. O sistema atual de geração centralizada de energia elétrica para um sistema híbrido, incluindo a geração distribuída tem que ser considerado também, envolvendo toda a necessária regulamentação de sistemas de segurança e confiabilidade (vide recente apagão elétrico nacional).

A degradação do meio ambiente é a grande força motriz para a implementação da Economia do Hidrogênio, cujas consequências, como o aquecimento global, são insustentáveis a médio e longo prazos. Neste ponto, um paralelo faz-se útil. A maturidade tecnológica nos tempos iniciais da invenção do automóvel a gasolina pode ser comparada nos dias atuais ao binômio célula a combustível/hidrogênio. Não havia infraestrutura para a rolagem dos automóveis, que tinham, por sua vez, preços proibitivos. A gasolina não era nem abundante nem barata e, tampouco, se encontrava "em cada esquina”. Muitos a temiam, devido à sua inflamabilidade.

Pois bem, aproximadamente cem anos depois, o automóvel tornou-se accessível, existem estradas para sua rolagem e pode-se abastecê-lo em qualquer lugar (sem medo), ou seja, aprendemos a lidar com o combustível e com a produção em massa. Com o crescimento do mercado, os preços caíram. Esta mesma curva de aprendizado pode ser pensada e aplicada à nova Economia.

A seguinte reflexão é de suma relevância para planejamentos de políticas energéticas nacionais. Como o hidrogênio poderá ser obtido de diversas maneiras, qualquer país ou região do planeta poderá obtê-lo. Neste caso, com a introdução da Economia do Hidrogênio, ter-se-ia, pela primeira vez na história da humanidade, uma democratização das fontes primárias de energia, o que seguramente gerará mais progresso e menos tensões políticas.

Associado a estas ações está o desenvolvimento intensivo da tecnologia de células a combustível, visando sempre à redução de custos para aplicações diversas. As metas de custos a serem atingidas variam para cada classe de aplicações: gerações estacionárias de energia elétrica, aplicações portáteis e eletrotração ou transporte em geral. Salienta-se aqui apenas o caráter econômico da tecnologia e não os ambientais, que podem, num futuro próximo, ser tão importantes na nossa sociedade como o financeiro.

Concluindo esta seção, os obstáculos à introdução da chamada Economia do Hidrogênio não configuram dificuldades intransponíveis, ao contrário, apontam um elenco de oportunidades para o surgimento no país de novas empresas de bens e serviços, como demonstrado pelas tecnologias emergente do setor. Este energético (o hidrogênio) pode, em médio prazo, dependendo de políticas, de seu desenvolvimento tecnológico e da abertura de novos mercados, desempenhar um papel importante no cenário mundial de energia.

Quem pretende entender as prováveis e promissoras mudanças no cenário energético futuro, que incluirão, na matriz energética mundial, parcelas crescentes de renováveis e, neste filão, a energia proveniente do hidrogênio, deve conhecer o seu conversor por excelência, a célula a combustível. Estas são os dispositivos mais apropriados para a utilização do hidrogênio como vetor energético.

As tecnologias do binômio hidrogênio/células têm-se desenvolvido bastante nos últimos anos, encontrando aplicações diversas como geradores de energia para meios de transporte (eletrotração para automóveis, caminhões e outros veículos, bem como trens, barcos e outros), para unidades estacionárias (edifícios, condomínios, hospitais, repartições públicas, bancos, torres de comunicação, etc.) e para fins portáteis (laptops, celulares, dispositivos militares, etc.).

Os grandes diferenciais são o baixo (ou nenhum) impacto ambiental e a alta eficiência. Embora a tecnologia de células a combustível não esteja ainda completamente madura e estabelecida (custos, durabilidade), verifica-se que a sua implementação no mercado já começou. Entretanto, é crescente o desenvolvimento da área de novos materiais para equacionar os desafios finais dessa tecnologia.

Resumindo, o hidrogênio já está em fase de implantação e testes em diversos setores energéticos, pavimentando uma possível futura Economia do Hidrogênio, como no setores automotivo, marítimo, da aviação, de fertilizantes (amônia a partir de hidrogênio verde), siderurgia verde, mineração verde (que pode ser a resposta para a obtenção de insumos para baterias e células a combustível), cimento verde, combustíveis híbridos, entre outros.

Enfatizando, mais uma vez para finalizar, os obstáculos à introdução da chamada Economia do Hidrogênio não se configuram como dificuldades intransponíveis. O Brasil já possui o seu roteiro para a Economia do Hidrogênio e um programa nacional de pesquisa e desenvolvimento para esta tecnologia. Um indício da abrangência e seriedade do assunto foi a realização de um evento recente pala ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) em São Paulo. Com a participação de 150 profissionais, o encontro teve o título de "Inteligência, meio ambiente e mudanças climáticas: transição energética – desafios e oportunidades para o país” da qual participamos, entre vários especialistas no assunto. Portanto, o tema é sério, estratégico e merece grande respeito e consideração".

Perfil

MARCELO LINARDI - Pesquisador Emérito do IPEN, no Centro de Células a Combustível e Hidrogênio; graduado em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (1983), com mestrado em Ciências Nucleares pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (1987), doutorado em Engenharia Química - Universitat Karlsruhe (1992) e Pós-Doc pela Universidade de Darmstadt, Alemanha em 1998; autor de vários livros, entre eles, "O IPEN e a Economia do Hidrogênio”, Editora SENAI, 288p, São Paulo, 2022. Exemplares podem ser solicitados, gratuitamente, em superintendente@ipen.br

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