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Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

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Doutora em Tecnologia Nuclear assume comando do projeto RMB e comenta a atuação feminina no setor

Fonte: Blog Tania Malheiros - Jornalista

Doutora em Tecnologia Nuclear, a paulistana Patrícia Pagetti, funcionária do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), é a nova coordenadora técnica do projeto do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), no lugar de José Augusto Perrotta, que se aposentou. Ela comenta a tentativa de desconstrução do projeto - ato de "extrema falta de respeito aos profissionais da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) - que agora, com a apoio da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, tem as esperanças renovadas. O RMB será capaz de produzir radiofarmacos (insumos para a produção de radioisótopos, usados no diagnóstico e tratamento contra o câncer) poderá gerar ao país recursos anuais brutos na ordem de US$ 50 milhões. Descendente de italianos, com mestrado em matemática e estatística, ela acredita que o governo deva escutar os alertas e recomendações dos especialistas na área nuclear, para que as prioridades sejam bem definidas. Neste mês de março, quando o BLOG presta homenagem às mulheres, Patrícia afirma que não sofreu preconceito e machismo de forma direta, durante a sua trajetória profissional. Se provocou ciumeira ao assumir o comendo do RMB, ela comenta: "Neste caso, posso dizer que não foi o fato de ser mulher que criou algum tipo de ciúmes, mas sim por meu nome não ser conhecido como o de muitas pessoas em evidência na área nuclear. Imagino que isto possa ter gerado algum tipo de desconfiança, não ciúmes. É que Patrícia, reservada, e "sem inclinação para fazer política”, não sabe fazer propaganda de seu trabalho. Eis a entrevista.

Como ocorreu o convite para coordenar o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB)?

Fui convidada a assumir a coordenação técnica do Projeto RMB poucas semanas após a notícia do pedido de aposentadoria do Dr. José Augusto Perrotta. Como todos sabem, o Dr. Perrotta é um profissional muito reconhecido na área nuclear, não só no Brasil, mas também na comunidade internacional. Ele é o grande idealizador do RMB e vinha conduzindo o projeto de forma brilhante e incansável até meados de 2022. Sua aposentadoria foi uma notícia que pegou a todos de surpresa. Nesta época, não havia nenhuma sinalização favorável por parte do MCTI em garantir recursos financeiros para a continuidade do projeto, nem tampouco havia ações efetivas da alta direção da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para obter estes recursos. Ao mesmo tempo, chegavam até nós sinais de ações de dentro do ministério que tinham por objetivo "desconstruir” o RMB. O Dr. Perrotta encontrou sua forma de protestar contra esta situação, considerada de extrema falta de respeito aos profissionais de carreira da CNEN e que são os que detêm o conhecimento dos projetos que são desenvolvidos nesta instituição.

Esperava o convite?

Eu não esperava ser convidada para assumir a função e confesso que senti um certo receio. Eu já estava participando do projeto desde seu lançamento, em 2008, e presenciei alguns momentos críticos de indefinições sobre a continuidade do projeto e sempre tive noção da grande responsabilidade que esta função de coordenação exige. Para se ter uma ideia, o projeto é desenvolvido no âmbito da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD) da CNEN, porém, não há uma estrutura formal, hoje, dentro desta autarquia, específica para o desenvolvimento do RMB. Eu fui nomeada para o cargo que era ocupado pelo Dr. Perrotta, ou seja, Assessor Técnico da DPD/CNEN para assuntos do RMB.

Onde estava trabalhando naquela época?

Comecei a trabalhar no IPEN como estagiária em 1985, quando eu ainda estava cursando o mestrado no Instituto de Matemática e Estatística da USP. Em 1987, fui contratada para trabalhar na área de análise de segurança e análise de confiabilidade de sistemas nucleares. Devido à minha formação em Matemática e Estatística, com concentração em Teoria da Confiabilidade, passei a me especializar na aplicação da Análise Probabilística de Segurança para instalações nucleares. No início da minha carreira, participei das análises de vários projetos nucleares da Marinha do Brasil, desenvolvidos junto ao Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP). Depois fiz meu doutorado em Tecnologia Nuclear no IPEN-CNEN, que está vinculado ao programa de pós-graduação da USP. Até meados de 2022, eu estava alocada no Centro de Engenharia Nuclear do IPEN-CNEN e dividia meu tempo entre atividades relacionadas à gestão deste centro, análises de segurança dos reatores de pesquisa localizados no IPEN-CNEN, tarefas de apoio ao grupo de análise probabilística de segurança da Diretoria de Radioproteção e Segurança (DRS) da CNEN e tarefas relacionadas ao RMB.

Já conhecia bem o projeto...

Conforme citei anteriormente, eu já vinha participando do projeto RMB desde seu lançamento, em 2008, mas nos últimos cinco, seis anos, passei a atuar de forma mais próxima à coordenação do RMB devido às atividades de revisão da análise de segurança nuclear do projeto do reator. Existe um processo de licenciamento nuclear do RMB em andamento junto à autoridade em segurança nuclear no Brasil, que é a Diretoria de Radioproteção e Segurança (DRS) da CNEN. Este processo foi iniciado há mais de 10 anos e, de acordo com regulamentação da CNEN, possui várias etapas a serem cumpridas.

Como está no momento?

A primeira etapa cumprida ocorreu em janeiro de 2015, quando a DRS/CNEN concedeu a licença denominada "Aprovação do Local” para implantação do Empreendimento RMB no sítio localizado no Município de Iperó/SP. A próxima etapa a ser cumprida diz respeito a obtenção da licença de construção dos prédios nucleares do empreendimento. Eu creio que o entendimento do Dr. Perrotta, assim como de outras pessoas que foram consultadas sobre a indicação de meu nome para substituí-lo no cargo, era de que o licenciamento nuclear do RMB não podia parar, e eu era a servidora da CNEN que estava mais envolvida com esta tarefa naquele momento.

O projeto do reator começou junto com o projeto argentino, que, segundo informações, o argentino, estaria praticamente concluído. E o brasileiro, quase parado por falta de verbas e decisões políticas. Com analisa esta situação?

O fato é que o desenvolvimento da área nuclear na Argentina avançou de modo diverso do que no Brasil nas últimas décadas. O caso do projeto do reator argentino RA-10, o qual possui muita similaridade com o projeto do RMB, pode ser inserido neste contexto. Porém, é importante citar que a cooperação nuclear com a Argentina tem sido altamente estratégica para o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro, tanto na vertente de não proliferação nuclear, com a criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC, 1991) quanto na vertente das aplicações da tecnologia para fins pacíficos (Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação de Usos Pacíficos da energia Nuclear, 1980). Em ambas as vertentes que se encontram no fulcro da cooperação nuclear bilateral, a CNEN tem papel central.

A ministra Luciana Santos anunciou que haverá parceria entre Argentina e Brasil para que o RMB saia do papel. Como esta parceria será viabilizada?

Há duas instâncias principais de diálogo, fomento e acompanhamento da cooperação bilateral entre Brasil e Argentina na área nuclear: o Comitê Permanente de Política Nuclear (CPPN) e a Comissão Binacional de Energia Nuclear (COBEN). O CPPN, cuja última reunião foi realizada em Buenos Aires em 26 de julho de 2022, é coordenado pelas chancelarias de ambos os países e propulsiona iniciativas conjuntas nas áreas política, técnica e empresarial do setor nuclear. A COBEN, por sua vez, é liderada pelas Comissões Nacionais de Energia Nuclear, CNEN/Brasil e CNEA/Argentina. A COBEN se inscreve como paradigma no histórico da cooperação bilateral, tendo servido como foro para a gênese da iniciativa de desenvolvimento conjunto de reatores nucleares que resultou, ao longo do processo, no lançamento dos projetos dos reatores RMB e RA-10. Ambos os reatores contam com a mesma base de engenharia e seus projetos são semelhantes. Devido à falta de alocação de recursos financeiros adequados, a COBEN foi perdendo paulatinamente o ímpeto inicial, embora siga existindo formalmente.

Conte mais sobre esses acordos.

O último acordo de cooperação entre CNEN/Brasil e CNEA/Argentina no âmbito da COBEN foi assinado em 31 de janeiro de 2011, com um termo aditivo firmado em 12 de agosto de 2014. Nesta época, houve muita sinergia entre profissionais da área técnica de ambas as comissões e isto facilitou a contratação da empresa de engenharia argentina INVAP para participação do projeto de engenharia do RMB. A INVAP possui um quadro de profissionais de excelência, engenheiros em sua grande maioria, e vasta experiência em projeto e construção de reatores nucleares de pesquisa, além de atuar em outras áreas estratégicas da engenharia nuclear e espacial. O RMB, por meio de dois convênios anteriores com a FINEP, firmou contratos com a INVAP para desenvolvimento de parte dos projetos de engenharia básico e detalhado do reator, que é a principal instalação do empreendimento. Foram experiências de sucesso até o momento e, portanto, devemos saudar o excelente histórico de diálogo e cooperação com a CNEA/Argentina e com a INVAP. Esperamos, em breve, submeter à apreciação da Ministra Luciana Santos a recomendação de que sejam retomados os trabalhos da COBEN, idealmente ainda neste 1º Semestre de 2023.

O que ocorre neste momento para que o RMB seja um sonho brasileiro saindo do papel?

Vou repetir um mantra que o Dr. Perrotta faz questão de nos passar. Para que o RMB possa sair do papel, precisamos de R$ (recursos financeiros), RH (recursos humanos) e gestão (uma estrutura organizacional). Será necessário criar uma estrutura organizacional, dentro da CNEN, para que se possa fazer a gestão das próximas etapas da fase de implantação do RMB, em especial das etapas de aquisição de itens e suprimentos, construção de prédios e demais edificações e montagem eletromecânica de equipamentos.

O que há além disso?

Já existe uma proposta para esta estrutura organizacional, mas também estamos trabalhando na contratação de uma empresa especializada que possa elaborar um plano estratégico para as próximas etapas da fase de implantação do RMB, que inclui a fase pré-operacional e de comissionamento da instalação. Além disso, e não menos importante, está o compromisso por parte da alta direção da CNEN em atuar junto às autoridades governamentais, para obtenção dos recursos financeiros (R$) e recursos humanos (RH) para implementar todas as etapas futuras. O RMB é um sonho que requer previsibilidade desses recursos para que possa ser concretizado.

O que já foi feito? O que está pronto?

O Empreendimento RMB está estruturado em três fases: implantação, operação e descomissionamento. Na primeira fase, de implantação, o produto final será o reator e as instalações complementares licenciadas de acordo com as leis e regulamentações nas áreas ambiental e nuclear, e comissionadas para entrar em operação. A segunda fase inicia-se com a operação do reator e das instalações, cujo produto final consiste na disponibilização de produtos e serviços para o país. Após comissionado, o RMB deverá operar durante 50 anos, podendo ter sua vida útil estendida por mais 20 anos, devendo então ser descomissionado, o que consiste na terceira fase. A fase de implantação do Empreendimento RMB consiste das seguintes etapas: prospecção do local; elaboração dos projetos de concepção e básico do reator, laboratórios e infraestrutura; elaboração do projeto detalhado do reator, laboratórios e infraestrutura; Aquisição de equipamentos e componentes; fabricação e montagem; construção de todas as instalações associadas ao Empreendimento RMB; desenvolvimento e fornecimento do combustível nuclear; licenciamento Ambiental junto ao IBAMA; licenciamento Nuclear junto à Diretoria de Radioproteção e Segurança (DRS) da CNEN. No caso do comissionamento, os resultados obtidos em cada uma das 10 etapas da fase de implantação são indicados, da prospecção do local [finalizado], até passando pelo empreendimento que será instalado em uma área de dois milhões de metros quadrados, contígua ao Centro Industrial Nuclear de Aramar (CINA), no Município de Iperó-SP. Parte do terreno do empreendimento (1,2 milhão de m2) foi cedido pela Marinha do Brasil à CNEN. A área complementar (840 mil m2) foi desapropriada pelo Governo do Estado de São Paulo e cedida à CNEN através do IPEN-CNEN.

São muitas etapas.

Sim, como o projeto Conceitual [finalizado], realizado por engenheiros e tecnologistas das unidades técnico-científicas da CNEN, liderados pelo Coordenador Técnico do RMB, determinando o conceito do empreendimento, reator, laboratórios, prédios, infraestrutura, licenciamento e conceito operacional. O Projeto Básico de Engenharia [finalizado]; etapa de projeto vinculada ao Convênio Finep/REDETEC/CNEN 01.10.0704.00, projeto de encomenda FNDCT, coordenado e verificado pela CNEN e executado pela empresa brasileira de engenharia INTERTECHNE, contratada para a execução da engenharia convencional de prédios, infraestrutura e sistemas; empresa argentina de engenharia nuclear INVAP, contratada para a execução da engenharia do reator e sistemas nucleares associados. A INVAP atuou devido a um acordo de cooperação envolvendo a CNEN do Brasil e a CNEA da Argentina (Reator RMB no Brasil e Reator RA-10 na Argentina), no âmbito da Comissão Binacional de Energia Nuclear (COBEN). A empresa engenharia nuclear INVAP participa como contratada para a execução da engenharia do reator e sistemas nucleares associados. Novamente, a INVAP atuou no âmbito do acordo da COBEN, envolvendo a CNEN do Brasil e a CNEA da Argentina; também a brasileira de engenharia AMAZUL, que executou os trabalhos de engenharia de prédios e sistemas convencionais, contratando profissionais especializados através dos recursos financeiros do convênio Finep.

O que temos para 2023?

O projeto detalhado dos demais laboratórios e infraestrutura do Empreendimento RMB, incluído como meta do Convênio Finep/PATRIA/CNEN firmado em dezembro de 2022. Também temos o projeto detalhado de terraplenagem do Plano Diretor do sítio do RMB, previsão de início em 2024, incluído como meta do Convênio Finep/PATRIA/CNEN firmado em dezembro de 2022. Além da aquisição de equipamentos e componentes aguardando recursos, entre outras ações.

E as etapas importantes como o desenvolvimento do combustível?

Essa etapa foi realizada sob coordenação da CNEN e responsabilidade da equipe do IPEN que atua no RMB e equipe do CTMSP, consistindo na execução do Convênio Finep/CNEN/CTMSP/PATRIA 01.13.0389.00, projeto de encomenda FNDCT, para adequação das instalações do Laboratório de Enriquecimento Isotópico (LEI) do CTMSP para produção de UF6 (urânio) enriquecido a 20%. BLOG: Etapa essencial. PATRICIA: Sim. A adequação das instalações do Centro do Combustível Nuclear (CECON) do IPEN para produção de elementos combustíveis e alvos de urânio para a operação do RMB; e a instalação de um novo núcleo com combustível tipo placa, idêntico ao núcleo do reator RMB, no reator IPEN/MB-01 localizado no IPEN-CNEN. Dentro deste convênio foi inaugurada, em dezembro de 2016, uma nova cascata de enriquecimento isotópico de urânio no LEI do CTMSP no Centro Industrial Nuclear de Aramar (CINA) e iniciada a produção de UF6 enriquecido a 20%. Foram modernizadas as instalações do CECON do IPEN e fabricados 19 elementos combustíveis, com a mesma especificação do combustível do RMB, com urânio e tecnologia totalmente nacionais.

E a questão ambiental?

Está em a andamento o Licenciamento Ambiental junto ao IBAMA. É realizado pela Coordenação Técnica do RMB, com apoio das unidades técnico-científicas da CNEN. Empresas brasileiras especializadas foram contratadas: MRS-Estudos Ambientais Ltda, para a emissão do EIA-RIMA e realização das Audiências Públicas, até a obtenção da Licença Prévia (LP) ambiental do IBAMA; e WALM Engenharia e Tecnologia Ambiental para realização dos Programas Ambientais e obtenção da Licença de Instalação (LI) junto ao IBAMA. Estes serviços foram realizados com recursos da ação orçamentária do RMB (Ação 12P1). A Licença Prévia do RMB (LP Nº 500/2015) foi emitida pelo IBAMA em maio de 2015 e a Licença de Instalação (LI Nº 1323/2019) em novembro de 2019, permitindo que o Empreendimento RMB possa ser construído.

Quais os próximos passos? Há planejamento para este ano? E para 2024 e os próximos anos?

PATRICIA: Em dezembro de 2022, um novo convênio com a Finep foi assinado entre CNEN e Fundação PATRIA, com prazo de conclusão até dezembro de 2025. Este convênio se deve a uma ação positiva do ex-Ministro Paulo Alvim, que esteve no comando da pasta do MCTI de abril a dezembro de 2022. Os recursos deste convênio são provenientes do Fundo Nacional para Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT), gerido pelo MCTI, e serão disponibilizados em três parcelas no período de 2022 a 2024, totalizando R$ 172 milhões.

O que receberam?

A primeira parcela, no montante de R$ 20 milhões, como mencionei acima, foi empenhada ainda em 2022 e repassada em janeiro de 2023 para a Fundação PATRIA, convenente que fará a gestão destes recursos de acordo com as metas definidas pela CNEN. Desta forma, desde o início de 2023, estamos trabalhando em várias atividades de modo a cumprir o cronograma físico-financeiro estabelecido neste convênio. O prazo para execução deste convênio, codificado como RMB172, é dezembro de 2025. Após a execução deste contrato com a Finep, não há garantia de que novos convênios serão firmados. Assim, não temos previsibilidade de recursos para entrar nas etapas de aquisição de itens e suprimentos e de construção de prédios e demais edificações de infraestrutura do empreendimento.

Recapitulando, quanto já foi investido e em quais períodos?

Desde seu lançamento até os dias de hoje, o Projeto RMB recebeu aportes financeiros com recursos provenientes do FNDCT por meio de quatro convênios com a Finep, anteriores ao convênio que estamos trabalhando no momento. Foram quatro convênios iniciados em diferentes datas no período entre 2010 e 2014, e que foram executados de acordo com os prazos estabelecidos, considerando que o último convênio foi concluído em novembro de 2021. Por meio destes convênios com a Finep, foram investidos em torno de R$ 260 milhões. A desapropriação da área em Iperó/SP para implantação do sítio do RMB custou, aproximadamente, R$ 13 milhões, valor este pago diretamente pelo Governo do Estado de São Paulo. Além disso, existe uma ação orçamentária específica para implantação do RMB, a qual está prevista na LOA do Governo Federal, reservando recursos orçamentários anuais para este fim. A partir desta fonte foram pagas despesas da ordem de R$ 10 milhões, considerando o período de 2012 até o final de 2022.

Qual o planejamento daqui em diante: Quanto será necessário? O governo Lula vai liberar quanto este ano?

Conforme mencionado, estamos executando as atividades necessárias para cumprir o cronograma de metas que foi estabelecido no atual convênio com a Finep, o RMB172. Este convênio tem um prazo de execução de 36 meses, contado a partir de dezembro de 2022.

Alguma liberação?

A primeira parcela do convênio de R$ 20 milhões, como disse, foi repassada em janeiro de 2023 à fundação de apoio que fará a gestão dos recursos. Ainda em 2023, espera-se o repasse da segunda parcela do convênio, no valor de R$ 70 milhões. Este recurso deverá sair do FNDCT, que é gerido pelo MCTI. Em 2024, tem-se a previsão de repasse de R$ 82 milhões da terceira parcela do convênio. Além disso, existe a previsão de recursos orçamentários da ordem de R$ 4,8 milhões para a ação específica do RMB (Ação 12P1), considerando as dotações apresentadas na LOA 2023 proposta pelo Governo Federal e aprovada pelo Congresso Nacional. Estes recursos orçamentários devem ser usados para cobrir os custos de manutenção do sítio do RMB em Iperó, para execução dos planos ambientais exigidos pelo IBAMA, para aplicação em programas de comunicação social e em projetos experimentais que possam beneficiar o desenvolvimento do empreendimento.

O RMB precisa de quanto para ser inaugurado? E quando será?

O RMB é um empreendimento cujo custo estimado é de US$ 500 milhões, que na cotação atual (US$ 1 = R$ 5,20) corresponde a R$ 2,6 bilhões. O RMB precisaria de aportes anuais de US$ 100 milhões para ser construído ao longo de cinco anos. Este é o cenário mais otimista que temos para apresentar.

O objetivo principal é produzir radioisótopos para a produção de radiofarmacos para diagnóstico e combate ao câncer?

Sim. Pode-se dizer que este é um dos objetivos principais do empreendimento RMB. O projeto proposto pela CNEN consiste, principalmente, de um reator de pesquisa multipropósito com característica de alto fluxo de nêutrons, visando: produzir todos os radioisótopos necessários ao país, principalmente para as aplicações médicas (diagnóstico e terapia); fornecer feixe de nêutrons com intensidade e qualidade que o posicione como um dos principais feixes disponíveis em pesquisa do mundo, atuando de forma complementar ao Projeto Sirius; permitir a realização de testes de combustíveis nucleares para as centrais nucleares e para a indústria do ciclo do combustível nuclear brasileiro; permitir a realização de testes de desempenho do combustível a ser utilizado no submarino nuclear brasileiro, garantindo segurança e soberania na utilização dessas embarcações; e ser o iniciador de um novo centro avançado de tecnologia nuclear que garantirá a continuidade do conhecimento dessa área estratégica para o país.

Qual a perspectiva de produção nacional? Há planos de exportação?

Quando o RMB estiver em operação, o Brasil será capaz de produzir radioisótopos em quantidade e qualidade suficientes para estabelecer uma política pública para a medicina nuclear do país, fornecendo insumos para entes privados e, também, diretamente para o atendimento da população através do SUS. Isso gerará expansão e equilíbrio social na medicina nuclear do país. Um ponto extremamente positivo para operação do RMB é que a receita associada à venda de radioisótopos pode cobrir o custo da operação do empreendimento, sobrando recursos para investimento em pesquisa e modernização. Você deve saber que isto não é comum em empreendimentos de ciência e tecnologia no país. Ou seja, o empreendimento RMB poderá prescindir de orçamento operacional do governo desde que tenha um modelo de gestão diferente do atual. Além disso, existe possibilidade de se gerar recursos adicionais pela exportação de excedentes de radioisótopos e pela venda de outros produtos/serviços como dopagem de tarugos de silício para indústria eletrônica; alvos de urânio e combustíveis para reatores de pesquisa (exportação); fontes seladas para aplicações industriais; etc. Não menos importantes são os serviços e pesquisas que podem ser feitas com o reator e os laboratórios associados. Estamos falando da possibilidade de geração de recursos financeiros (bruto) acima de US$ 50 milhões anuais.

O Brasil não terá mais que importar os radiofarmacos. Como será a economia para o país?

Sim. Com a finalização do Empreendimento RMB, o Brasil estará apto a ser autossuficiente em radioisótopos produzidos em reatores nucleares de pesquisa. Dentre estes radioisótopos, estão incluídos aqueles empregados atualmente na produção de radiofármacos que, por sua vez, são utilizados na Medicina Nuclear. As aplicações de técnicas nucleares são de grande extensão e importância no país. Dentre essas aplicações, cabe destaque a aplicação social com a utilização de radiofármacos tanto para o diagnóstico como para uso terapêutico na medicina nuclear, propiciando cerca de dois milhões de procedimentos por ano no Brasil. Os radioisótopos que viabilizam a produção dos radiofármacos, e a realização desses procedimentos, são produzidos, em sua maioria, em reatores nucleares de pesquisa. Os reatores de pesquisa existentes no Brasil não têm capacidade para produzir esses radioisótopos em larga escala, o que impõe a importação dos radioisótopos, acarretando uma forte dependência do país em relação aos fornecedores estrangeiros. Atualmente, os gastos com importação giram em torno de US$ 17 milhões anuais.

O Brasil está atrasado em relação ao RMB porque costuma desprezar a ciência? A que credita o fato de nosso atraso?

Sim, pelo menos no que diz respeito à CNEN, o Brasil está atrasado na implantação de projetos considerados estruturantes para a área nuclear, que são os projetos do RMB e do CENTENA (centro tecnológico que consistirá de um repositório de rejeitos radioativos com atividade baixa e média). Eu acredito que seria necessário que as pessoas que têm poder de decisão no Brasil, tanto no poder executivo como no legislativo, tivessem uma visão estratégica sobre a importância do desenvolvimento da ciência e tecnologia no país. No caso específico da área nuclear, seria necessário adotar uma política de estado, que não fosse totalmente dependente dos governos. Existem leis e decretos que dão as diretrizes para a Política Nuclear Brasileira, porém não são cumpridos do modo com que deveriam. A CNEN tem competências legais e atribuições bem definidas para a aplicação desta política, mas está sendo esvaziada e suas unidades técnico científicas estão com setores inteiros desativados e laboratórios abandonados.

Grave...

Vou aproveitar sua pergunta para chamar atenção ao fato de que o quadro de servidores que atuam nas funções de controle e fiscalização da CNEN está sendo, cada vez mais, reduzido. São especialistas com responsabilidades em segurança nuclear das instalações, proteção radiológica de trabalhadores e indivíduos do público e proteção física e salvaguarda de materiais nucleares e radioativos. Em minha opinião, isto deveria ser colocado como um sinal de alerta aos futuros dirigentes da CNEN e ao MCTI. Eu acho fundamental a elaboração de um plano completo para recuperação, tanto em recursos humanos como orçamentários, da CNEN e de cada uma de suas unidades técnico-científicas, balizado na consecução de metas estratégicas do Programa Nuclear Brasileiro.

Como cientista, como analisa o setor tecnológico brasileiro em geral?

Eu não me sinto capacitada a fazer uma análise consistente e conclusiva sobre o que ocorre no setor tecnológico Brasileiro em geral. Acredito que em alguns setores da indústria, tais como aeroespacial e petroquímica, assim como na agricultura, os avanços tecnológicos no Brasil estejam acompanhando o desenvolvimento mundial. Na área nuclear, precisamos de mais investimentos.

O fato de ser mulher criou algum tipo de ciúmes no meio, já que é a primeira a assumir o cargo desde o início?

Neste caso, eu posso dizer que não foi o fato de ser mulher que criou algum tipo de ciúmes, mas sim o fato de meu nome não ser conhecido como o de muitas pessoas em evidência na área nuclear. Eu imagino que isto pode ter gerado algum tipo de desconfiança, não ciúmes. Eu sou uma pessoa reservada e talvez eu não tenha muita inclinação para fazer política e não saiba fazer muita propaganda do meu trabalho. No entanto, a cada convite recebido ou responsabilidade assumida, eu procuro trabalhar com muita dedicação, fazendo o possível para trazer bons resultados e atender às expectativas. Isto tem ocorrido em todos os projetos em que participo, quer seja na posição de executora, líder ou coordenadora. Eu procuro ser transparente e conheço minhas limitações.

Conte um pouco de sua história: é paulista? Qual a sua formação? Por que seguiu a área da ciência? Quais os mais relevantes atrativos? Já sofreu preconceito ou machismo? O que acha de as mulheres ainda estarem longe de ocuparem cargos em áreas da ciência e tecnologia até hoje?

Respondendo à sua primeira pergunta, eu costumo brincar dizendo que sou paulista, paulistana e palmeirense. Eu estudei em um colégio tradicional de São Paulo, que foi fundado para atender estudantes pertencentes às famílias de origem italiana. Desde os meus primeiros anos de escola, eu já podia sentir minha inclinação para as disciplinas na área de ciências exatas. Quando eu estava no colegial, que hoje equivale ao ensino médio, no final da década de 1970, eu tive a oportunidade de fazer cursos extracurriculares em eletrônica. Tudo o que envolvia ciências exatas me atraía muito. Quando eu ingressei no Instituto de Matemática e Estatística da USP, minha intenção era cursar Ciência da Computação. Ao final do primeiro ano do curso, me encantei com as disciplinas de probabilidade e estatística e mudei minha opção para o Bacharelado em Estatística. Eu via na estatística uma base para atuar em várias áreas, nas engenharias, na economia, nas ciências sociais, ciências médicas e biológicas, dentre outras. Antes de ser convidada a estagiar no IPEN, eu trabalhei quase dois anos no mercado financeiro. Porém, não me empolguei e descobri que queria ser cientista e tecnologista.

Vivenciou preconceito?

Não lembro de ter sofrido preconceito ou machismo de forma direta, mas sempre de forma velada. Sempre foi muito comum eu participar de eventos, congressos, cursos, no Brasil e no exterior, em que as mulheres são uma minoria. Penso que as mulheres precisam ser mais confiantes e ter coragem para seguir carreiras que parecem dominadas por homens. Quanto mais mulheres seguirem a carreira em C&T, mais mulheres poderão ocupar cargos de direção nas organizações. Eu acho importante incentivar!

O que espera do governo Lula e da ministra Luciana Santos?

Espero que eles tenham muito sucesso nos cargos que assumiram e que escutem os alertas e recomendações dos especialistas na área de C&T nuclear, para que as prioridades sejam bem definidas e a nossa estrutura nessa área seja aos poucos recuperada e renovada. Nós precisamos de alguma previsibilidade de recursos para poder conduzir e finalizar a implantação do RMB. 

Quais seus planos? 

Espero continuar trabalhando para que o sonho do RMB seja concretizado. Para isso, eu pretendo continuar agindo com ética e transparência, transmitindo confiança e procurando demonstrar que o desenvolvimento da área nuclear no Brasil vai trazer muitos benefícios para a nossa sociedade. Eu quero continuar trabalhando na CNEN até o dia em que minha saúde, minha família, meus colegas e gestores da instituição permitirem.

O achou da nomeação esta semana (20/03) do novo presidente da CNEN, Francisco Rondinelli Filho?

Todos que conhecem e têm a oportunidade de trabalhar com o Dr Francisco Rondinelli Junior certamente ficaram contentes com sua nomeação para a presidência da CNEN. O Dr. Rondinelli é um servidor de carreira da CNEN, muito íntegro e muito consciente dos desafios que irá enfrentar. Eu declaro meu voto de confiança e meu apoio ao trabalho que ele pretende realizar na instituição.

Qual a sua mensagem para jovens estudantes?

Eu gostaria de incentivar a todos os jovens e, em especial, jovens estudantes mulheres que percebam alguma inclinação para se dedicar às carreiras de ciência e tecnologia que sigam firme nesse caminho. A área de energia nuclear, assim como a de aplicações da tecnologia nuclear tem muito futuro e pode trazer muitos benefícios para a nossa sociedade. O Brasil precisa de vocês!

Como se define?

Sou organizada, talvez até metódica, sensata e um tanto pragmática. As pessoas costumam dizer que eu pareço ser uma pessoa muito calma no ambiente profissional. Eu acho que, com o tempo, fui aprendendo a controlar e ponderar minhas reações.

PERFIL

Patrícia da Silva Pagetti de Oliveira - Graduada no Bacharelado em Estatística, em 1983, pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP). Em 1989 obteve o título de Mestre em Estatística pelo IME-USP, com concentração na área de Teoria da Confiabilidade. Em 2014 obteve o título de Doutora em Tecnologia Nuclear pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), vinculado à Pós-Graduação da USP.

Desde 1987 trabalha como Tecnologista Sênior no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), órgão situado em São Paulo – SP e vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que, por sua vez, é uma Autarquia Federal do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) do Governo Federal do Brasil.

Com mais de 35 anos de experiência, tem atuado, principalmente, nas áreas de: Engenharia de Confiabilidade (sistemas de engenharia da indústria nuclear/convencional), Análise Probabilística de Segurança de instalações nucleares (reatores de pesquisa e unidades nucleoelétricas), desenvolvimento de base de dados de confiabilidade de equipamentos, análise de riscos de instalações industriais e programas de melhoria da cultura de segurança em organizações. No período de 2015 a 2022 atuou na gestão do Centro de Engenharia Nuclear do IPEN/CNEN.

Participou dos projetos de modernização e licenciamento dos Reatores de Pesquisa IEA-R1 e IPEN/MB-01, ambos instalados no IPEN/CNEN. Participou de diversos projetos e empreendimentos do Programa Nuclear Brasileiro, destacando-se as análises realizadas para o protótipo do reator para propulsão naval e instalações químicas do ciclo do combustível nuclear, além da elaboração e implementação de exercícios de emergência no Centro Industrial Nuclear de ARAMAR (Iperó, SP), que foram atividades desenvolvidas junto ao Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP).

De 2001 a 2004, foi líder do grupo que representou o Brasil no desenvolvimento do projeto de Atualização e Expansão da Base de Dados de Confiabilidade para Reatores Nucleares de Pesquisa, coordenado pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês), instituição vinculada à Organização das Nações Unidas.

No período de 2012 a 2013 participou como consultora técnica da IAEA na elaboração de relatório de segurança contendo diretrizes para aplicação da metodologia de avaliação probabilística para a operação segura e confiável de reatores nucleares de pesquisa.

De 2000 a 2007, participou, junto à Diretoria de Radioproteção e Segurança (DRS) da CNEN, dos trabalhos de revisão técnica, para fins de licenciamento, do estudo de Análise Probabilística de Segurança da usina Angra-1 da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA).

No período de 2015 a 2018, participou como líder da tarefa referente à Análise Probabilística de Segurança do Projeto BR3.01/12 (Apoio Técnico ao Órgão Regulador Nuclear do Brasil), desenvolvido por DRS/CNEN e Comissão Europeia.

De 2006 a 2015 participou em projetos conduzidos no IPEN/CNEN na área de fontes renováveis de energia, desenvolvendo trabalhos relativos à análise de confiabilidade de células a combustível. Desde 2008, participa do projeto do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), com destaque para as atividades voltadas ao licenciamento nuclear e à análise de segurança desta instalação, que requerem a elaboração dos Relatórios de Análise de Segurança exigidos no processo de licenciamento e o desenvolvimento de um estudo de Análise Probabilística de Segurança para esta instalação.

Em agosto de 2022, foi nomeada para a função de Assessora Técnica deste empreendimento. Durante todos estes anos tem participado de cursos de aperfeiçoamento, congressos e eventos, tendo publicado inúmeros trabalhos. Já ministrou cursos internos para grupos de pesquisadores e engenheiros do IPEN e tem atuado continuamente na supervisão de trabalhos acadêmicos desenvolvidos no âmbito do programa de Pós-Graduação (Strictu Sensu) em Tecnologia Nuclear do IPEN/CNEN, vinculado à Pós-Graduação da USP.
































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