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Relatos do Leste Europeu: alunos do IPEN contam experiências, aprendizados e desafios vivendo na Rússia

Da dificuldade com o idioma às limitações decorrentes das sanções políticas impostas ao país devido à guerra, tudo ficou menor diante da oportunidade de estudar em uma universidade de excelência e de construir parcerias para a vida.

Para quem pretende seguir carreira acadêmica, uma experiência internacional em instituição de reconhecida excelência pode ser um diferencial. Três doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear IPEN/USP relatam o período vivenciado na Rússia, para estágio "sanduíche” no Instituto de Engenharia Física de Moscow (MEPhI, do inglês Moscow Engineering PhysicsInstitute), vinculado à National Reseach Nuclear University, no âmbito do acordo bilateral firmado com o IPEN, em 2019.

"Este período na Rússia foi um divisor de águas. Antes, minha visão era de atuar apenas no Brasil, após minha estada no exterior, passei a me ver como um cidadão do mundo", afirmou Levy Scalise Maciel, 33 anos, depois da experiência de pouco mais de um ano – de dezembro de 2021 janeiro de 2023 – no país que revelou o gênio da matemática, Grigori Perelman. "Foi uma experiência extraordinária para uma pessoa como euque nunca havia saído do país”, acrescentou Levy.

Mayara Pinto, 34 anos, permaneceu exatos sete meses em Obninsk. Para além da experiência cultural, ela menciona a "notável mestria russa” em áreas nucleares e correlatas. Destaca também a oportunidade de ampliar a rede de contatos profissionais. "Abrem-se portas para possíveis e futuras colaborações”. E cita, como maiores "aprendizados pessoais”, o exercício da paciência, pelas distinções culturais e o viver mais calmamente, "pois a gente vive em bastante segurança, apesar do atual cenário político”, comentou, referindo-se ao momento belicoso envolvendo Rússia e Ucrânia.

"situação extraordinária do país”, de fato, dificultou um pouco, mas não o bastante para desencorajar Levy. "Alguns preços subiram, tínhamos que fazer contas e olhar diversos produtos quando íamos ao supermercado. Somente a bolsa de 1.500 (₽ é o símbolo para rublos, moeda do país) não é suficiente para viver lá, além das sanções impostas. "Em geralredes sociais, cartões de crédito, aplicativos russos, tudo foi bloqueado. Ao comprar um novo celular, por exemplo, não conseguia instalar aplicativos do banco russo, transporte, pois a Google Play tirou do catálogo”, relatou.

Entretanto, Levy aposta nos benefícios que a experiência proporciona: "A parceria é excelentee creio queno médio, longo prazoserá algo muito benéfico para o IPEN”, disse. E acrescenta que mais aulas do idioma russoonline ou presencialantes da viagem, seriam fundamentais. "Mesmo que as demais aulas sejam em inglêssaber russo, para navegar na burocracia e lidar com professores que não dominam perfeitamente o inglês, seria excelente, e também para nos inserirmos melhor na cultura local e lidarmos com aspectos cotidianos, como ir ao banco, farmácia etc.”.

Júlio de Oliveira Jr., 33 anos, viajou em fevereiro de 2022 e ainda está na Rússia. Ele vê o estágio como "uma vitrine para exibir à Rússia e muitos outros países as pesquisas realizadas no Brasil" e obter apoio internacional e parcerias para os projetos. principal impacto, segundo ele, será na "formação de laços internacionais”, com estudantes, professores e divulgadores da área nuclear. "É um sistema educacional bastante distinto do nosso, pude conhecer pessoas que guardarei para toda a vida”.

A experiência também é uma "ótima oportunidade” para aperfeiçoar o aprendizado, acredita Júlio, destacando o conhecimento teórico e prático a respeito da engenharia nuclear russa e a participação no programa de embaixadores da Rosatom, "no qual exercitamos habilidades de divulgação da ciência nuclear e praticamos técnicas de comunicação com o público e com a indústria”.

Excelência e rigor

Levy, Mayara e Júlio são unânimes ao mencionar a qualidade dos cursos oferecidos no MEPhI. "O aspecto mais positivo é a excelência dos professores, todos especialistas em suas áreas de atuação e que também atuam fora da academia, o que permite uma visão mais abrangente do assunto”, diz Levy. "Eles [professores] têm conhecimento bastante notável, muitas vezes estão diretamente vinculados ao desenvolvimento de tecnologias”, complementa Júlio.

Na mesma linha, Mayara diz que os professores são "bastante diligentes”. Além disso, segundo ela, o programa é muito denso, o que requer dedicação exclusiva dos estudantes. "O programa no qual eu estava inscrita abrangia muitas disciplinas, inclusive a língua russa, o que era mais bacana".

Entretanto, Mayara diz "não ter curtido” o modelo de avaliação. "Geralmente, são aplicadas provas orais, nas quais os estudantes são questionados em sala de aula, o que, em minha opinião, desconcentra e desconcerta o avaliado”. Ela relata que o dia a dia era dividido entre as aulas, algumas visitas técnicas e o convívio entre os estudantes. "E, claro, às vezes, a gente viajava para conhecer outras cidades”.

quantidade de eventos extracurriculares, como a iniciativa de embaixadores, eventos recreativos e visitas técnicas, também é mencionada pelos doutorandos como ponto positivo da estada na Rússia. "Eu diria que uma das minhas experiências favoritas aqui foi participar da AtomExpo 2022, em Sochi, representando tanto o Brasil como a Rosatom, na recepção da embaixada de Angola no evento”, relembra Júlio.

Outro aspecto destacado diz respeito à infraestrutura do MEPhIJúlio conta que, embora seja um campus pequenoem uma cidade de aproximadamente 200 mil habitantes, os equipamentos e laboratórios são comparáveis às maiores universidades públicas do Brasil. "Em termos de pontos negativoseu diria que o calendário confuso e tumultuado, que dificulta criar uma rotina de estudos, é a pior parte. Academicamente, o idioma não chega a ser um problema, pois as aulas para nosso grupo eram em inglês”.

Mayara mencionou a avaliação como um modelo contraproducente e Júlio comentou que gostaria de melhorar a organização de disciplinas. "Parte do conteúdo de disciplinas mais avançadas, como as estruturas físicas de usinas nucleares, poderia ser colocada em disciplinas mais básicas, para então entrar nos aspectos mais matemáticos e técnicos, que costumam vir primeiro”. Ele também ressaltou que, justamente devido à qualidade dos equipamentos e acesso rápido a especialistas qualificados, "deveria haver uma ênfase ainda maior na parte prática, com mais simulações e projetos individuais ao invés de aulas expositivas”.

Perrengues e criatividade

Levy enfatizou a necessidade de maior suporte financeiro, afirmando que o valor da bolsa não é suficiente para se manter na Rússia. "Tínhamos que enviar dinheiro constantemente, para complementar a renda”. Ele conta que, no primeiro semestrerecebia 1500, dos quais 500 iam para a mensalidade do dormitório (composto de um quarto com cama, mesa de escritório) e os 1000 ficavam para a alimentação –"cozinhando no dormitório”, ressalta.

"O campus Obninsk tem um restaurante, mas não é igual ao bandejão [comum nas universidades brasileiras], é um restaurante normal onde todosprofessores, alunos realizam refeições, um prato de salada, sopa, um copo de chá e um pão dava em média 350 rublos. O campus Moscou tinha um restaurante na mesma modalidade e havia um prato combinado (salada+sopa+chá) por 250, de modo que comer todos os dias na faculdade era um pouco caro. Por isso, necessitamos enviar dinheiro das nossas bolsas brasileiras para complementar a renda lá”.

"As sanções acabaram atingindo todos os alunos estrangeiros e dificultando muito nossa permanência”. Para nós, a situação foi muito mais difícil de contornar do que para os russos. Durante alguns momentos, tememos ficar sem possibilidade de enviar dinheiro do Brasil para cá, ou ficarmos impossibilitados de retornar. Além disso, as sanções tornaram o país mais caro para estrangeiros”, lembra Júlio.

Mas, como diz o ditado, brasileiro não desiste nunca, havia um esquema driblar o perrengue e viabilizar transações financeiras, de acordo com Levy."Fazíamos via Western Union, masapós a mesma encerrar seus serviçosficou praticamente impossível usar meios institucionaise tivemos que descobrir meios alternativos. A Mayara encontrou um jogador de futebol de salão via facebook, ele queria enviar dinheiro para a família dele no Brasile aí fazíamos um pix via aplicativos brasileirose ele fazia um pix via aplicativos russos para nós. Foi a única forma que encontramos de obter este dinheiro complementar”.

"Acolhidos”

Ao contrário do que pode parecer, todavia, ser estrangeiro na Rússia não é tão difícil, afirma JúlioSegundo ele, o choque inicial é muito grande, porém, a adaptação é rápida. "A maior parte das coisas que podem parecer um problema para quem vem do Brasil, como o frio, na verdadesão bem fáceis de conviver. O paíscomo um todotem um sistema de serviços muito intuitivo e avançado, que o torna atrativo para imigrantespois é fácil se estabelecer”, acrescenta.

Já Mayara "divide” os russos em estações "porque eles são completamente distintos nas temperaturas baixíssimas e no verão”. "Eles são mais reservados e até estressados em estações mais frias, mas, quando a temperatura sobe, são sorridentes e simpáticos. Contudo, muito embora sejam bastante burocráticos, tal como os brasileiros, talvez até mais, os russos são bastante solícitos", observou Mayara.

Júlio conta que o dia a dia "é um pouco mais agitado que on Brasil”pois a universidade usa um sistema intermitente de aulas que ele considera"um pouco confuso”. No começoisso gerava bastante dificuldade porque era difícil saber quando as aulas aconteceriam. A vantagem é que toda semana era possível não ter aulas, permitindoentãoque pudéssemos conhecer a cidade ou planejar viagens curtas para outras cidades da região”.

universidade organiza muitos eventos de socialização e confraternização entre os alunos, como campeonatos de esporte e jogos, excursões, acampamentos, e até shows de música e dança. "Infelizmente, a maioria é em russo, mas muitos desses eventos são voltados especialmente para alunos estrangeiros”, diz Júlio.

Levy diz não ter sentido nenhum problema em ser estrangeiro. "Quando descobriram que eu era brasileiro,até era bem acolhido, geralmente queriam conversar sobre futebol e outras coisas do Brasil”.

O idioma é que é "russo”

Fora do ambiente acadêmico  já que as aulas no MEPhI são em inglês  o idioma era uma barreira. "Sofri um certo preconceito em relação a língua, como não compreendia tanto e não era fluente, rolaram alguns perrengues de comunicação ou quando se fala alto e em público, eles não curtem... mas na maior parte das experiências eram corteses. Aprender a língua é o ideal – super recomendo”, diz Mayara.

Para Levy, essa foi a única grande dificuldade enfrentada. "Não tinha muito conhecimento de russo antes de vir, e conversar apenas em russo é complicado até agora. A população até que é receptiva, mais que o esperado, mas a frustração é palpável quando não conseguem se comunicar. Além disso, tarefas simples podem se tornar complicadas pela dificuldade em conversar, como obter informação detalhada sobre um local difícil de encontrar”.

No dormitório estudantil, era mais fácil, conta Mayara. "Convivíamos diariamente brasileiros, colombianos, bolivianos, paraguaios, zambianos, burundineses, libaneses, chineses... conhecemos pessoas de praticamente todos os continentes divididos entre graduandos, mestrandos e doutorandos. Era bastante plural. E não que a gente não sinta saudades de casa, de rostos e vozes e sons familiares, mas a gente conhece e troca muito, como se a vivência validasse toda a experiência”.

Deu match

A diversidade cultural russa é prestigiada mundo afora, e Júlio faz questão de aproveitar ao máximo a experiência no país de Nureyev, Nabokov e tantos outros talentos do mundo das artes. "Gostaria de recomendar ao público que conheça um pouco de cultura russa, como música, com Kino, DDT, Alisa, Arya, cinema, com Stalker, Brat, Solarisliteratura,  de Dostoievski, Tolstoi, Pushkin. Para além de cultura mais tradicional, eles também têm uma cultura de software livre e código aberto muito próxima da brasileira, o que pode ser um ponto em comum inusitado de entrada.”

Buscar "familiarização” é uma característica de Júlio. Ele conta que fez amigos no dormitório, nos mercados da cidade, em bares, restaurantes e até mesmo no ônibus. "Tive sorte de cair com um colega de quarto que combinou comigo e nos tornamos amigos rápido, sem ter grandes problemas de convivência”.

Os brasileiros, elejá conhecia, pessoalmente ou pela internet, antes de ir para a Rússia. "E desbravamos muitos cantos do país juntos”. Mas o encontro especial veio das bandas de cá, precisamente da América Central. "Um diafizemos uma festa de despedida para uma amiga e conheci uma moça da Nicarágua. Pouco tempo depois, começamos a namorar e estamos muito felizes juntos”.

Sobre os contemplados

Levy Scalise Maciel é licenciado em Física pelo Instituto Federal de São Paulomestre em Tecnologia Nuclear - Aplicações pelo IPEN e doutorando no mesmo programa, sob a orientação deArtur Wilson Carbonari, do Centro do Reator de Pesquisas (CERPq). Desenvolve simulações computacionais de novos materiais para aferir sua viabilidade, com o intuito de chegar a soluções limpas, com capacidade energética melhor e que não sejam poluentescomo materiais atuais.

Mayara Pinto é bacharel e licenciada em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC), doutoranda em Tecnologia Nuclear soba orientação da professora Martha Simões Ribeiro, do Centro de Lasers e Aplicações (CELAP). Sua pesquisa visa a associação de duas técnicas terapêuticas contemporâneas, a fotobiomodulação (FBM) e a nanobraquiterapia (NB) para fins de tratamentos oncológicos, mais especificamente para um tipo de câncer de mama bastante agressivo, o qual acomete majoritariamente mulheres.

Júlio de Oliveira Jr. é bacharel em Física pela USP, mestrando em Engenharia Nuclear - Usinas Nucleares e Física Térmica da MePhi e doutorando em Tecnologia, sob a orientaçãoRoberto Vicente, do setor de Gestão de Rejeitos Radioativos.Na pesquisa de mestrado, está focado na análise de segurança de uma proposta de modificação para os modelos de reatores nucleares espaciais. No doutorado, seu foco é na avaliação da quantidade de energia que se pode obter reciclando os rejeitos radioativos de mineração de urânio para o uso em baterias nucleares.


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