O estudo, em fase de geração de patente, fornece insights sobre síntese, desempenho e perspectivas de uma nova arquitetura de bateria de chumbo-carbono, que pode revolucionar o domínio das soluções para armazenamento de energia.
Imagine uma bateria automotiva com tamanho 90% menor e 20
vezes mais leve, mas com desempenho superior ao das atuais existentes no
mercado hoje. Esta é uma das novidades que um grupo de pesquisadores do
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) acaba de divulgar e que
pode revolucionar o mercado de baterias de chumbo: uma bateria construída a
partir da tecnologia de células a combustível com nanotecnologia.
O estudo, publicado em artigo no Jornal of
Energy Storage, uma das revistas mais relevantes no meio energético
internacional, e com a intenção de solicitação de patente já iniciada, explora
a integração inovadora de uma bateria de chumbo-carbono com um conjunto
eletrodo-eletrólito inspirado na arquitetura de uma célula a combustível de
membrana de troca de prótons (PEM-FC), a mesma tecnologia aplicada nas modernas
células a combustível de hidrogênio e outros materiais.
Unidade técnico-científica da Comissão Nacional
de Energia Nuclear (CNEN), localizada no campus da USP, em São Paulo, o IPEN
tem excelência reconhecida na área de células a combustível e hidrogênio. Os
resultados dessa pesquisa são mais um exemplo da expertise do Centro de Células
a Combustível e Hidrogênio (CECCO) do Instituto.
Essa pesquisa envolveu outro Centro de
referência do IPEN, o de Ciência e Tecnologia de Materiais (CECTM/IPEN). Os
cientistas explicaram que o chumbo-carbono foi sintetizado pelo método de aquecimento
e redução pelo efeito Joule – fenômeno físico que transforma energia elétrica
em calor por meio da passagem de elétrons e agitação dos átomos –, o que
permitiu a criação de uma bateria de chumbo superior às convencionais, com tamanho
reduzido em 90% e 20 vezes mais leve.
Segundo Rodrigo Fernando Brambilla de Souza, pesquisador pós-doc
no CECCO/IPEN, com experiência na área de química, enquanto o mercado aguarda a
popularização das células a combustível, as baterias continuam a ser a
principal fonte de energia móvel.
"As baterias de lítio, apesar de sua popularidade, causam um
impacto ambiental significativo devido à mineração extensiva de cobalto e
lítio. Nosso grupo de pesquisa no IPEN está reavaliando a bateria de
chumbo-ácido e integrando as tecnologias desenvolvidas para as células a
combustível, visando chegar a baterias de chumbo-ácido mais leves e flexíveis,
e assim oferecer uma alternativa sustentável. Em nosso trabalho (https://doi.org/10.1016/j.est.2024.111418),
apresentamos uma abordagem que combina três pilares: materiais avançados,
design modular e flexível e tecnologia embarcada inteligente. Acreditamos que
as baterias de chumbo-ácido reinventadas podem oferecer uma solução mais
sustentável e acessível para a demanda por energia móvel”, conclui.
Aplicabilidades
A bateria de ácido-chumbo-carbono (CLAB)
desenvolvida em laboratório surpreendeu os pesquisadores ao demonstrar uma alta
capacidade específica. Graças à incorporação de carbono, os resultados
apresentaram melhora na estabilidade das nanopartículas, proporcionando um
desempenho altamente estável ao longo de muitos ciclos de carga e descarga com
variações potenciais de descarga abaixo de 2%, ou seja, resultados bem
superiores ao modelo de baterias de chumbo convencionais.
Esse inovador conjunto CLAB não apresenta apenas
um desempenho estável, mas também um grande potencial para a construção de
baterias de chumbo flexíveis, expandindo as possibilidades de aplicações da
nova tecnologia.
Segundo
o pesquisador Edson Pereira Soares, pós-doc no CECTM/IPEN, a publicação em
formato de short comunication, ou seja, trabalho com um tema relevante no meio
acadêmico e com a descoberta ainda não explorada na literatura, significa que o
grupo está lançando uma ideia para o mundo científico e que outros
pesquisadores podem aplicar e experimentar a descoberta.
Soares
destaca ainda que o mais interessante no trabalho é que eles conseguiram
construir um material armazenador de energia com uma propriedade que, a
depender de como o dispositivo for montado, ele pode variar desde um capacitor,
tornar-se um supercapacitor e chegar a uma bateria de armazenamento de energia.
"Os estudos preliminares mostram que esse
material possuí uma faixa muito grande de aplicação. Outros pesquisadores vão
poder comprovar isso. Eles vão perceber que, utilizando os materiais estudados,
existe uma variedade de aplicações no ganho e no armazenamento de energia, não
só em baterias, mas em materiais leves, que podem servir tanto para a indústria
de defesa, aeroespacial e automobilística quanto a indústria de
eletroportáteis”, avalia Soares.
Inovação com PEM-FC
A tecnologia de baterias convencionais de
chumbo-ácido (LAB), embora originada na segunda metade do século XIX, continua
a desempenhar um papel importante no mercado global de baterias recarregáveis,
amplamente utilizada nos setores automotivo e industrial devido às suas
características de baixo consumo, custo, processos de fabricação maduros e
reciclagem sustentável. No entanto, para novas aplicações que exigem um estado
de carga parcial de alta taxa, como em veículos híbridos e aplicações
específicas de armazenamento de energia na rede, o desempenho e a vida útil da
bateria de chumbo-ácido convencionais são significativamente limitados devido ao
desgaste e à sulfatação (sulfato de chumbo) das baterias.
A construção da bateria chumbo-carbono usando a
arquitetura com membrana polimérica demonstrou ser promissora devido à estabilidade
significativa apresentada durante os testes. A incorporação de carbono na
estrutura de chumbo não só melhorou a estabilidade das nanopartículas, como
também resultou num desempenho altamente estável da bateria. Além disso, o
conjunto CLAB oferece potencial para a construção de baterias de chumbo
flexíveis, ampliando assim o escopo de aplicações tecnológicas. A integração
bem-sucedida da arquitetura PEM-FC na tecnologia CLAB abre caminhos para
soluções inovadoras e flexíveis de armazenamento de energia.
Para o pesquisador
titular do IPEN/CNEN, Almir Oliveira Neto, especialista nas áreas de
físico-química e células à combustível ácidas e alcalinas, a escolha e
utilização dos materiais foi o maior insight da pesquisa, pois, nos
últimos 15 anos, os estudos se voltaram para o uso de aditivos a fim de
diminuir a perda de atividade de uma placa nas baterias convencionais. Ao
aplicar outras tecnologias, como as nanopartículas, este problema diminuiu, e então
surgiu a possibilidade do desenvolvimento de dispositivos de armazenamento de
energia híbridos.
"Hoje, as
indústrias buscam um dispositivo que seja uma mistura entre um capacitor e um
sistema de armazenamento. Com estes dispositivos híbridos, unindo estas duas
funções, o mercado terá uma alta demanda de corrente de entrega e, na hora que
você diminui essa demanda, ele passa a operar como uma bateria, com menor
aquecimento”, explica Almir Neto.
O desenvolvimento da pesquisa contou com o apoio dos laboratórios: PEM-FC (Proton Exchange Membrane Fuel Cell) - Célula Combustível de Membrana Polimérica Trocadora de Prótons do CECCO-IPEN e do Laboratório de Microscopia e Microanálise (LMM) do CECTM-IPEN.
O projeto conta com financiamento da Capes, do CNPq e o envolvimento de aluna de pós-graduação USP-IPEN em Tecnologia Nuclear - Materiais, Vitória Maia, com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), e ainda Gabriel A. Silvestre, Felipe G. da Conceição e Larissa Otubo.
As figuras mostram o
experimento em laboratório utilizando Eletrodos de Pb/C e membrana de Nafion
mostrando a dimensão e flexibilidade da bateria de testes (foto: divulgação)
Célula a combustível PEM-FC
A tecnologia de funcionamento de
células a combustível de membrana de troca de prótons (PEM-FC) funciona a
partir de um componente principal, uma membrana polimérica que separa os
eletrodos e permite a passagem dos prótons (íons) sendo resistente à passagem
da corrente elétrica, atuando como eletrólito.
A tecnologia aplicada às células
de combustível está num estágio de desenvolvimento avançado, pois é reconhecida
como a substituta dos motores de combustão interna nos automóveis e ônibus.
O Desafio das Baterias de Chumbo e a Revolução das
Nano Partículas
As baterias de chumbo, embora amplamente utilizadas,
apresentam limitações significativas em relação a peso e volume, pois são pesadas
e ocupam muito espaço. Além disso, os ciclos
de vida são limitados, de modo que a vida útil das baterias de chumbo é
relativamente curta.
As nanopartículas prometem revolucionar as
baterias de chumbo. As partículas ultrafinas de chumbo oferecem vantagens
notáveis como o aumento da eficiência, permitindo maior densidade de energia e
melhor desempenho.
A redução de tamanho e peso amplia suas aplicações garantindo
maior durabilidade uma vez que as nano partículas prolongam a vida útil das
baterias. Sem contar o fato de que essa nova tecnologia pode ser considerada
mais sustentável e favorável ao meio ambiente.
Ulysses Varela
Jornalista científico - BGE-DA - IPEN-CNEN