Seibersdorf (Áustria), 20 out (EFE).- A
luta contra a ferrugem do café e seus devastadores efeitos nas economias
da América Central tem um novo aliado: as mutações induzidas por raios
gama para melhorar a resistência da planta a essa doença. E tudo sem
afetar sua qualidade.
Embora diversas tecnologias nucleares
sejam aplicadas há muito tempo para melhorar e proteger todo tipo de
cultivos, seu uso no café mal está começando.
Os pioneiros são a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO),
que acabam de reunir em Viena especialistas centro-americanos e do Peru
para ensinar-lhes como aplicar esta inovadora tecnologia para combater a
ferrugem do café.
Trata-se de uma doença produzida por um fungo
- com o nome científico de Hemileia vastatrix - que ataca
principalmente as folhas da planta do café.
A técnica, conhecida
como "fitotecnia" por mutações, consiste em propagar sementes de café
com raios gama e induzir mutações em seu genoma para ampliar a variedade
genética da planta e torná-la mais resistente ao fungo.
Essas
mutações acontecem de forma espontânea na natureza e também podem ser
provocadas artificialmente através do cruzamento de diferentes
variedades de café - por exemplo de robusta, resistente à ferrugem do
café, com a arábica, que não o é - embora esse processo possa durar até
três décadas.
O que a tecnologia nuclear faz é acelerar esse
desenvolvimento, explicou à Efe Stephan Nielen, geneticista do programa
AIEA/FAO e responsável pelo seminário realizado em Viena.
"A
esperança é encontrar plantas que mantenham as características originais
de qualidade, mas que tenham uma resistência adicional", disse.
Estes experimentos para induzir e acelerar a mutação começaram em 2013
nos laboratórios que a AIEA tem em Seibersdorf, a cerca de 50
quilômetros ao sul de Viena.
"Espero que em cinco anos tenhamos
material no terreno que possamos dizer que é resistente", declarou
Nielen durante uma pausa na última sessão do curso de duas semanas.
Seus alunos são 14 especialistas de Costa Rica, El Salvador, Guatemala,
Honduras, Nicarágua, Peru, Panamá e Jamaica. Na maioria destes países, o
café é hoje o principal produto agrícola de exportação.
Por
isso, uma redução da produção por causa da ferrugem do café significa
automaticamente uma notável queda da receita em moeda estrangeira.
Nielen lembra que esta doença representa um problema muito grave para a
indústria local do café e que, como no caso de outras similares, a
mudança climática provoca um aumento de sua incidência.
Apesar
de reconhecer que é correto falar de modificação genética, insiste em
que esta técnica não tem nada a ver com os polêmicos transgênicos e
"organismos geneticamente modificados" (OGM).
"Nos OGM se
introduz um gene estranho no cultivo, algo que não pertence a esse
organismo. Na fitotecnia por mutações é usada a composição genética do
cultivo e induzidas mutações a uma frequência maior da que ocorreria na
natureza", explicou.
"Melhoramos o que já existe", resumiu o
cientista alemão, antes de lembrar também que bombardear algo com raios
gama não significa torná-lo radioativo.
Nesse aspecto insiste
também Noel Arrieta Espinoza, coordenador do Programa de Melhoramento
Genético do Instituto do Café da Costa Rica e um dos participantes do
seminário.
"Aqui não estamos conversando sobre a utilização da
engenharia genética como tal. Estamos basicamente realizando uma
variação que, em termos gerais, é pequena", assegurou em declarações à
Efe.
"A variação acontece sobre o ordenamento do genoma para encontrar uma combinação que aumente a resistência", explicou Arrieta.
Ele opina que mais preocupação na opinião pública deveria despertar o uso excessivo da fumigação química nos cultivos.
Em todo caso, Arrieta destacou que as quantidades usadas no café são muito menores que nos cereais ou nos legumes.
Lembrou os efeitos catastróficos das últimas epidemias de ferrugem do
café, que causaram a perda de 100 mil empregos na Guatemala, uma queda
de 21% das exportações na Nicarágua em 2013 e que Costa Rica teve em
2014 a pior colheita de café em 37 anos.
Segundo Arrieta, a
tecnologia nuclear pode encurtar pela metade esses prazos de 25 ou 30
anos necessários para um programa convencional de melhoramento genético
para obter uma nova variedade de café.
Trata-se de obter e
oferecer aos produtores de café uma nova variedade com resistência, com
alta qualidade de xícara, com alto vigor e alta produção também",
resumiu Arrieta o objetivo.
O curso da AIEA/FAO faz parte do
esforço de criar uma rede global de luta contra a ferrugem do café, com
especial foco na América Latina.
Além de AIEA e FAO, o projeto é apoiado com dinheiro do Fundo da Opep para o Desenvolvimento Internacional.