A maior máquina do mundo, dedicada a uma das
mais complexas áreas de investigação científica – a fusão por confinamento
inercial – que reúne (e desafia) diversos segmentos da moderna Física.
Credenciados para utilizá-la em seus experimentos, os melhores especialistas em
fusão nuclear do mundo. E, compondo esse seleto time, o pesquisador de Física
de Altas Energias, associado à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),
Carlos Lobo.
Mineiro de nascimento, capixaba de coração –
mora no Espírito Santo há 40 anos – o cientista da computação Carlos Lobo é um
dos poucos latinoamericanos a integrar o grupo de usuários da National Ignition
Facility (NIF), vinculada ao Lawrence Livermore National Laboratory (LLNL),
instalado na Califórnia/Estados Unidos.
"Essa máquina condensa 100 anos de suporte
científico em vários segmentos da Física”, enuncia Carlos, citando a
Astrofísica Nuclear, a Física Subatômica e o Laser, como um dos exemplos. "E
reproduz os primeiros segundos do universo, o Big Bang, em escala pequena”,
diz.
Em linhas gerais, o que se faz na NIF é
lançar 196 feixes de laser sobre uma esfera de dois milímetros de diâmetro. Com
o impacto, a esfera implode, gerando variados gases e muita energia, um "mini
Big Bang”. Isso é o acontece de fato.
A partir daí, bem, o objetivo é capturar essa
energia e dominar sua produção, para, futuramente, usá-la como combustível nas
mais diversas máquinas hoje operadas pelo ser humano, de eletrodomésticos a
espaçonaves. O problema é que, até o momento, após a implosão e consequente
geração de gases e energia (limpa e não radiativa), a esfera explode,
dispersando a preciosa energia gerada.
Encontrar a receita perfeita – a composição
química da esfera, o tipo de feixe de lasers e a interação entre esses dois – é
o que centenas de cientistas ao redor do mundo perseguem, há uma década.
Trata-se da realização de um grande sonho: a
geração contínua de energia limpa não radiativa. "Ou seja: ‘adeus petróleo’”,
brinca, Carlos Lobo, entre confiante e esperançoso. Utópico? Garante que não.
"Eu não tenho dúvida de que vamos conseguir ”, declara, ressaltando que a data
ainda é impossível de prever.
Primeiro, explica, é preciso conseguir
realizar o feito em laboratório. Depois, trabalhar o processo de distribuição e
"o equacionamento dos problemas gerados em escala internacional, para
substituir todo tipo de energia”, referindo-se às fontes fósseis, atômicas,
hidrelétricas e todas as demais em utilização atualmente no mundo.
O sol como referência
A NIF possui 300 metros de comprimento por 50
metros de altura. É de dentro dela que saem os feixes de laser que irão
implodir – e, algum dia, não explodir em seguida – a pequena esfera de 2 mm,
instalada em uma grande esfera de 10 metros de diâmetro. A NIF levou vinte anos
para ser construída.
A pequena esfera é de um plástico
super-reforçado e contém deutério e trítio, dois gases fundamentais, gerados
nos primeiros segundos do universo, há 12,7 bilhões de anos. A potência de
laser que a atinge promove a fusão atômica do deutério com o trítio, processo
semelhante ao que ocorre continuamente dentro do sol.
"No sol há uma fusão de dois átomos de
hidrogênio e a transformação em um de hélio. Essa fusão entre dois átomos é que
produz energia pra que ele continue funcionando, liberando energia suficiente
pra aquecer a Terra e não deixar a gente morrer congelado”, explana Carlos,
descrevendo o supremo exemplo de geração contínua de energia limpa e não
radiativa de todo o Sistema Solar.
A fusão atômica não é radiativa,
completamente diferente, portanto, da fissão nuclear, que quebra o núcleo do
átomo. A fissão, no entanto, é muito mais simples de realizar, sendo utilizada
desde o início do século XX, na construção das bombas atômicas lançadas contra
o Japão na Segunda Guerra Mundial e nas usinas nucleares ao redor do mundo,
inclusive as brasileiras instaladas em Angra dos Reis, litoral do Rio de
Janeiro.
O lixo radioativo é extremamente perigoso e
letal. Um problema sem solução efetiva, pois qualquer vazamento é devastador
para a saúde das pessoas e do ambiente atingido. Mesmo assim, há quem
classifique a energia atômica de "limpa”. Por isso Carlos Lobo ressalta os dois
adjetivos atrelados ao tipo de energia que quer ajudar a gerar: limpa e
não-radiativa – uma verdadeira redenção para a humanidade, caso ela não vire um
trunfo exclusivo da indústria bélica e seja de fato popularizada, substituindo
as atuais fontes comerciais.
Do cósmico ao nano
Voltemos então ao sol, a grande inspiração
para os experimentos de fusão por confinamento inercial. Nosso astro-rei tem
cerca de um milhão e quatrocentos mil quilômetros de diâmetro e o calor dentro
de seu núcleo chega a incríveis cinco milhões de graus Celsius.
Temperatura semelhante é alcançada pelos
feixes de laser da NIF lançados contra a pequena esfera, esta, com, também
incríveis, duzentos e setenta graus Celcius negativos.
Outro corpo celeste importante para entender
o experimento de Carlos Lobo é a estrela de nêutrons. "As estrelas de nêutrons
iluminam o coração da nossa galáxia”, poetiza o cientista, chamando de
"coração” um "super-massivo-buraco-negro equivalente a cinco milhões de sóis”,
ao redor do qual orbitam mais de dez mil buracos negros (veja foto abaixo).
As estrelas de nêutrons, continua, são como
flashes, pulsando a cinco mil rotações por segundo. "Como pulsam muito forte, e
o tipo de pulso que elas têm é o pulso de raios gama, elas iluminam a região do
buraco negro”, descreve. "Você consegue enxergá-lo”, vibra.
Em seu experimento, o objetivo é produzir
energia limpa não radiativa formando uma nanoestrela de nêutrons, ou seja, uma
estrela de nêutrons de tamanho microscópico, nano, lembrando que um nano é o
mesmo que 0,000000001 metro!
Apesar da medida nano, a nanoestrela de
nêutrons elaborada por Carlos no Laboratório de Informática na Educação (LIED)
da Ufes é poderosa, pois "tem o equivalente a um raio de 10km e o peso do sol”,
diz. "Tem uma gravidade muito pesada, gira cinco mil vezes por segundo e não
produz calor como a gente conhece, a temperatura chega a apenas 5 mil graus,
são raios gama. É uma estrela fria”, explica.
O experimento será submetido à avaliação do
corpo diretor da NIF no próximo dia 21 de junho. Sendo aprovado, dentro de
aproximadamente um ano de preparativos necessários, poderá ser realizado pela
primeira vez na grandiosa máquina.
Este ano também Carlos foi convidado para
disputar, com outros quatro candidatos, uma das duas vagas abertas para o
Comitê de Usuários – espécie de "conselhos gestor” – de outra máquina do LLNL,
da qual ele também já é usuário: a Jupiter Laser Facility (JLF). Associada à
NIF, a Jupiter tem 278 usuários, com mandatos de dois anos.
Para além da NIF e da Jupiter, e da
expectativa que envolve realizar uma meta cobiçada por tantas mentes brilhantes
há tantas décadas, existe a parte quântica da pesquisa de Carlos Lobo. Esta, já
apresentada e aprovada em dezenas de conferências internacionais nos últimos
anos.
As próximas apresentações já estão agendadas,
em palestras na China, França e Estados Unidos. E no meio disso, ainda
acontecerá mais uma eleição, para a direção científica do Instituto Perimeter
de Física Teórica, em Waterloo/Canadá.
'Ao Buda ou à bomba?'
Diante das possibilidades criadas por
pesquisas como a sua, sobre produção de energia limpa não radiativa e
computação quântica, Carlos diz que uma das discussões recorrentes nos círculos
de cientistas de sua estirpe abordam "as fronteiras do possível e do ‘chamado’
impossível”. Então, instiga: "a pergunta interessante é sempre: ‘o que você
está enxergando?’ Porque o teu ponto de vista altera o resultado do
experimento, na esfera quântica”, diz.
A reflexão é primordial. Afinal, o que veem
ou querem ver esses cientistas? Ou, nas palavras do físico austríaco Fritjof
Capra, no prefácio à segunda edição de seu best-seller O Tao da Física, em
1982: "Os resultados da Física moderna têm aberto dois caminhos distintos para
os cientistas trilharem. Eles podem nos conduzir – colocando o problema em
termos extremos – ao Buda ou à Bomba e cabe a cada cientista decidir que
caminho escolher. Parece-me que numa época em que quase a metade dos nossos cientistas
e engenheiros trabalha para as forças armadas, desperdiçando um enorme
potencial de talento e criatividade ao desenvolver meios cada vez mais
sofisticados de destruição total, o caminho do Buda, ‘o caminho com um
coração’, não pode ser suficientemente enfatizado”.
Albert Einstein, físico austríaco que
notabilizou a Física Quântica com sua Teoria da Relatividade Geral, publicada
em 1915, entre outras construções científicas geniais, se viu diante desse
dilema, ao qual se refere Capra. Em 1939, Einstein escreveu ao então presidente
estadunidense Franklin Roosevelt, recomendando a construção de bombas atômicas
no país, a partir de formulações suas, para derrotar o grupo ligado à Alemanha
do nazista Adolf Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial. Anos depois,
Einstein se arrependeria publicamente.
Para ajudar na reflexão dos leitores, Carlos
Lobo sugere o filme "Interestelar”, de Christopher Nolan, onde é possível ver,
em belas imagens em movimento, muito do que ele tem estudado em suas pesquisas.
O longa-metragem contou com a consultoria cientifica de Kip Thorne, Prêmio
Nobel da Física em 2017, que descobriu as ondas gravitacionais descritas na
Teoria da Relatividade Geral de Einstein. "Criatividade é a chave que abre as
portas da percepção”, orienta.