O dinheiro gasto com arenas de futebol para a Copa do Mundo poderia
ter ajudado a concluir o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), um
empreendimento ambicioso que pode tornar o Brasil autossuficiente na
produção de substâncias utilizadas no tratamento e diagnóstico do
câncer, na indústria, agricultura e no meio ambiente.
A afirmação
é do coordenador técnico do empreendimento, José Augusto Perrotta, da
Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Ministério da Ciência e
Tecnologia. Ele participou do 30º Congresso Brasileiro de Medicina
Nuclear, que termina hoje em São Paulo.
O projeto está parado
esperando US$ 150 milhões. O preço total do programa é de US$ 500
milhões. Até agora foram gastos R$ 75 milhões.
"É uma estrutura
fundamental para o desenvolvimento nacional nas atividades do setor
nuclear, nas áreas de aplicações sociais, estratégicas, industriais e
desenvolvimento científico e tecnológico. Além disso, é um investimento
que se paga em 20 anos”, disse.
O técnico nuclear propõe que o
projeto seja abraçado por mais ministérios porque vai beneficiar
diferentes áreas, como saúde, defesa e pesquisa e exige alto
investimento. "Precisa ser um programa de Estado. Sabemos que temos
dificuldade financeira, mas precisamos definir quais são as prioridades
do país,” declarou.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de
Medicina Nuclear, Claudio Tinoco Mesquita, falta vontade política para
concluir o empreendimento. "Estamos falando de uma especialidade médica
que atende mais de 2 milhões de pessoas por ano. As chances de você ir a
esses novos estádios de futebol são muito pequenas, mas as chances de,
ao longo da minha vida, fazer procedimentos da medicina nuclear são
muito reais”, disse.
"O problema do RMB é que ele não cabe em um
mandato de presidente da República. As pessoas são muito imediatistas e
não pensam que esse empreendimento pode sustentar a medicina nuclear
brasileira nos próximos 20, 30 anos”. Hoje quase todos os radioisótopos
utilizados na medicina nuclear são importados e os preços variam de
acordo com a flutuação do dólar.
Projeto básico já está concluído
O
empreendimento, que será construído em Iperó (SP), já tem projeto
básico concluído e conta com licenças prévias junto ao Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e
a Diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear da CNEN, além de
outorga de água.
Já foram feitas três audiências públicas. No momento, está sendo
desenvolvido o combustível nuclear para viabilizar a preparação do
reator. Falta agora contratação do projeto detalhado do reator e dos
sistemas nucleares. Perrota ressaltou que, caso sejam disponibilizados
os recursos integrais para o projeto, ainda há chance de o
empreendimento ficar pronto em 2022.
"Já são oito anos falando sobre o assunto, espero não passar mais
oito anos falando a mesma coisa. Estou há 34 anos na CNEN, do Estado. O
que temos visto ultimamente é que o governo não executa as ações do
Estado. Estou há oito anos nesse projeto, já se passaram sete ministros,
não sei quantas secretários-executivos e a cada recomeçar é preciso
explicar o que existe e o problema não foi resolvido”, disse ele.
"É
preciso mudar o modelo. Precisamos de um sistema que atenda ao estado e
não para benefício de quem trabalha para o Estado”, salienta. Uma vez
concluído, o empreendimento terá infraestrutura de pesquisa aberta à
comunidade científica 24 horas por dia. Além de fornecer feixes de
nêutrons para pesquisa científica, será usado em testes de irradiação de
materiais e combustíveis utilizados em usinas nucleares geradoras de
eletricidade e submarinos propulsados por reatores nucleares, por
exemplo.
O reator também tem a missão de produzir radioisótopos e
fontes radioativas para a saúde, indústria, agricultura e meio
ambiente, substituindo importações e gerando exportações.
Reatores no Brasil
O
reator nuclear do RMB terá 30 megawatts de potência. O Brasil possui
quatro reatores nucleares de pesquisa em operação. O mais antigo,
inaugurado em 1957, e de maior potência (5 megawatts) é do Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), em São Paulo.
O Centro
de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN) em Belo Horizonte possui
um reator de 100 kilowatts e o Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) no
Rio de Janeiro, um de 500 watts, ambos construídos na década de 60. O
quarto reator nuclear de pesquisa também no IPEN é uma instalação do
tipo unidade crítica (100 watts) e foi construído na década de 80, já
com tecnologia nacional, visando o desenvolvimento autônomo da
tecnologia para reatores nucleares de potência.
Perrota lembrou
que os reatores existentes no país não têm capacidade para garantir
operação comercial ou características adequadas para uma pesquisa de
alto nível.
Faltam pesquisa e pessoal
O
diretor de produção do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
(Ipen), Jair Mengatti, ressaltou que outro problema urgente que o país
enfrenta é a falta de pessoal capacitado e de pesquisa no ramo da
medicina nuclear.
"Não acredito em milagre, hoje o maior capital
que o país tem é o conhecimento. Sem isso, seremos importadores a vida
inteira. Países hoje ricos investiram em pessoas, em pesquisa e
desenvolvimento”, declarou. "Ou pensamos grande ou continuaremos sendo
colônia”, afirmou.
O Ipen é principal fornecedor de material
radioativo médico do país. Os funcionários já fizeram duas greves nos
últimos dois anos por melhores salários e condições de trabalho. A
maioria dos servidores está próxima da aposentadoria e não há previsão
de concursos para reposição desse pessoal.
* A repórter participou do congresso a convite da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear