Produto é resultado de parceria entre o Instituto, que fez a pesquisa, e a Scav Medical, empresa que focada em produtos médico-hospitalares 100% nacionais
O
IPEN/CNEN e a empresa Scav Medical lançaram nesta quarta-feira, às 16h, o
Youfilter Ag, um filtro HMEF para uso respiratório em UTIs, em procedimentos de
intubação do paciente. Trata-se de um produto inovador no mercado mundial, com
pedido de patente já depositado no Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual (INPI). A diferença desse para os filtros HMEF convencionais é
superfície bioativa com nanopartículas de prata (AgNPs) impregnadas, tecnologia
desenvolvida por meio da parceria estabelecida.
A
cerimônia contou com a participação do superintendente do IPEN/CNEN, Wilson
Calvo, o diretor executivo da Scav, Raphael Scavone, o coordenador do
Laboratório NuclearNano/CNEN, onde foi realizada a pesquisa, Ademar Lugão, e o
pesquisador líder do projeto, Jorge Gabriel, egresso do Programa de
Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear IPEN/USP e atualmente membro da empresa. O
titular da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da CNEN, Madison Almeida,
acompanhou virtualmente.
HMEF
é acrônimo de Heat and Moisture Exchanger Filter, ou seja, filtro trocador de
calor e umidade. A vantagem do Youfilter Ag para o modelo convencional, que
também funciona como barreira efetiva contra vírus e micro-organismos, são as
AgNPs, capazes de promover a inativação viral, e a diminuição dos riscos de
pneumonias associadas à ventilação mecânica (PAVs) – responsáveis pela maioria
dos óbitos por infecção hospitalar – e
de contaminação cruzada durante o manuseio e a substituição.
Calvo
iniciou dando as boas-vindas aos presentes e ressaltou a tradição do Centro de
Química e Meio Ambiente (CEQMA) do IPEN/CNEN em inovação tecnológica – o
Laboratório SisNano NuclearNano/CNEN fica sediado no CEQMA. O superintendente ratificou
a importância de parcerias do Instituto com a iniciativa privada e, ao
mencionar a excelência da Pós-Graduação, destacou que João Gabriel iniciou sua
carreira científica no programa. "Dois dos mais de 3 mil títulos concedidos são
dele, o de mestre e o de doutor”, brincou.
De
acordo com Scavone, a Scav Medical nasceu no final de 2018, com a missão de
nacionalizar tecnologias visando a entrega das melhores soluções em produtos
médico-hospitalares. Começar pela produção de filtros HMEF acabou sendo a
escolha acertada devido à pandemia da Covid-19 no início de 2020, embora não fosse
algo previsto. "Felizmente, conseguimos suprir a demanda no momento mais
crítico da pandemia”, comentou o empresário.
A
iniciativa de buscar parceria com o IPEN/CNEN visava uma maneira de agregar uma
função ao filtro que fosse capaz de reduzir os riscos de PAVs e de
contaminações cruzadas. A ideia inicial da empresa era utilizar um antibiótico
potente, mas, em conversas com Lugão, foi sugerida a utilização de AgNPs. "Procurei
o IPEN para discutir uma ideia ainda muito bruta, Lugão me apresentou a nanopartícula
de prata, até então desconhecida para mim”, contou.
Segundo
Scavone, a concepção desse filtro com AgNPs partiu totalmente do IPEN, que já
realizava pesquisas com AgNPs. "Nós tivemos a grata surpresa de ter
profissionais envolvidos com excelência para estudar a viabilidade do projeto
em conjunto. Vale ressaltar que não estamos inventando um filtro, nossa
intenção é agregar valor muito importante a uma necessidade que existe no
mercado, de maneira inédita no mundo”, afirmou o executivo.
A
Scav Medical realizou pesquisas de patentes internacionais e não encontrou
nenhum trabalho com as características do HMEF Youfilter Ag. "Já depositamos a
patente e, em razão da pandemia, nosso pedido está na fila de prioridade porque
conseguimos viabilizá-lo no combate à Covid-19”. Scavone explicou que eficácia
se dá porque as AgNPs interagem com as estruturas dos micro-organismos e vírus,
induzindo o estresse oxidativo, "garantindo 99,999% de eficácia na filtração”.
A
principal função do filtro HMEF é "substituir o nariz”, filtrando bactérias,
vírus, poeiras e todas as impurezas do ar. Também age para aquecer esse ar,
porque o oxigênio vem do respirador de maneira muito fria – "e é muito
importante estar em uma temperatura aceita pelos pulmões” – ressaltou Scavone,
para umidificar esse ar. O empresário salientou que o filtro é usado de maneira
descartável, sendo necessária a troca a cada 24h, ou em tempo menos, em caso de
alguma intercorrência.
Desafios
Depois
de concluir que as AgNPs seriam a melhor aposta, o desafio era chegar à síntese
e à formulação de uma nanopartícula de prata que conseguisse executar o que a
empresa e os pesquisadores idealizavam. O segundo passo seria impregnar as
AgNPs no filtro HMEF em escala para atender o mercado nacional e internacional,
após os testes exitosos em laboratório. Outra preocupação era assegurar a
efetividade microbiana, não contaminar ou intoxicar o paciente, e garantir a
manutenção das funções do HMEF.
"Isso
é importante, nós estamos acrescentando funções, mas não podemos deixar de
cumprir as funções preexistentes. Precisamos garantir que não haveria risco à
saúde do paciente e de toda a equipe multidisciplinar”, salientou Scavone. Do
ponto de vista da empresa, o maior desafio é o scale up, ou seja, transformar uma ideia em algo com escala e
dentro de uma realidade de mercado. "Não adianta criar um produto maravilhoso,
mas que o sistema de saúde não possa pagar”, acrescentou.
O
uso de um antibiótico, por exemplo, seria inviável devido ao custo. "Os
orçamentos investidos na saúde não são ilimitados, muito pelo contrário. Nós
precisamos apresentar uma solução levando em conta essa realidade. Eu poderia
colocar um antibiótico de última geração, mas não seria viável. Teríamos uma
solução, mas não teríamos um produto. Vale ressaltar que a equipe do IPEN
sempre teve como foco transformar esse produto em realidade”, concluiu Scavone.
Atualmente
pesquisador na Scav Medical, Jorge Gabriel fez uma apresentação técnica do
produto. Mostrou o passo a passo da pesquisa, desde a caracterização
físico-química até o produto final, com a eficácia de 99,999% da filtração
contra bactérias, vírus e tuberculose. Também explicou o modo de ação do HMEF
Youfilter Ag e citou outras especificações técnicas como saída de umidade,
resistência ao fluxo, tipo de filtro/material, dentre outros, que o tornam um
produto único no mundo.
Emoção
Em
sua manifestação, Lugão destacou que o primeiro ponto para uma parceria ser bem-sucedida
está no parceiro, no modo como ele encara seu produto. "Não pode ser uma
pequena contribuição, o produto tem que ser importante para empresa, de alguma
maneira, significar o seu futuro. O parceiro também precisa ter um certo nível
de capacitação em pesquisa e desenvolvimento e inovação”, disse, acrescentando
que a Scav já nasceu com "uma cultura de inovação muito interessante”.
O
pesquisador também ressaltou a importância de o parceiro ser obstinado e
comprometido. "Problemas ocorrem o tempo todo. Fracassos, falhas são muito
comuns. O parceiro precisa ter entendimento da dificuldade que é fazer
pesquisa, desenvolvimento e inovação, e não desistir”. Lugão destacou ainda que
é fundamental ao Instituto onde a pesquisa será desenvolvida ter a cultura de
inovação tecnológica. "O IPEN e o CEQMA têm essa cultura, faz parte da nossa
história de forma muito intensa”.
O
sucesso de um produto de inovação tecnológica depende não apenas da excelência
nas pesquisas, mas também de investimentos contínuos. Reposição de pessoal e
recursos para garantir a manutenção dos equipamentos foram questões apontadas
por Lugão como cruciais para garantir o resultado de qualidade. "Além disso, é
preciso que o NIT [Núcleo de Inovação Tecnológica] seja atuante e ágil, o que
ocorreu no IPEN, no processo de parceria com a Scav Medical”, disse.
Segundo
Lugão, o grupo de pesquisa teve um "apoio enorme” da equipe do NIT, gerenciado
por Maria Helena Sampa, com apoio de Adriana Vendramini e Rodolfo Politano, e
também das Procuradorias do IPEN e da CNEN. "O acordo saiu de forma perfeita.
Tudo isso é importante, assim como tenho que mencionar aqui o apoio da FAPESP,
no âmbito do projeto ‘Capacitação científica, tecnológica e em infraestrutura
em radiofármacos, radiações e empreendedorismo a serviço da saúde (PDIp)’.
Lugão
concluiu mencionando que o NuclearNano CNEN, ao qual está vinculado projeto com
a Scav, juntamente com o Laboratório de Nanobiotecnologia a Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), darão continuidade a esse projeto com o apoio do
Laboratório do SisNano do Hospital Albert Einstein. "Pretendemos desenvolver,
qualificar e capacitar o produto e modificar, se for o caso, para ele tenha
aplicações ainda mais ambiciosas”.
Emocionado,
o pesquisador fez uma homenagem ao colega Luiz Ricardo Goulart Filho, ocorrida
no último dia 24, em Uberlândia, em decorrência de complicações da covid-19,
após quatro meses de internação. Ele coordenava o Instituto Nacional de Ciência
e Tecnologia em Teranóstica e Nanobiotecnologia, um núcleo de excelência que
engloba 16 instituições federais, 30 laboratórios, 11 instituições estrangeiras
e 11 empresas, financiado pelo CNPq, Fapemig, Capes e Finep.
"Era
uma pessoa de enorme generosidade. Graças a ele, nós conseguimos fazer uma
quantidade enorme de ensaios com apoio da Fabiane Riello e Belchiolina Beatriz
Fonseca. Então, é realmente triste para mim, nesse momento de muita alegria,
esse acontecimento. Esse produto, até pelo Luiz Goulart, tem que ser um grande
sucesso”, concluiu Lugão. Também foi muito importante no desenvolvimento da
pesquisa, segundo ele, a participação do bolsista Fapesp de pós-doutorado
Velaphi Thipe.
O
titular da DPS/CNEN, Madison Almeida, ratificou as palavras de Lugão sobre a "triste
perda” de Luiz Goulart, comentou sobre as crenças individuais afirmando
acreditar que "o professor Goulart está feliz com o nosso alcance”. O diretor
mencionou os caminhos que um processo de inovação percorre no âmbito
administrativo até a concretização de "mais um produto de inovação, "mais uma
vez o protagonismo do CQMA, da parceria com a Scav, traduzido num resultado que
beneficia a saúde”.
Almeida
agradeceu a todos os envolvidos na parceria, destacando o profissionalismo de
Lugão e desejando muito sucesso ao novo produto, tendo o Jorge Gabriel, egresso
da pós-graduação IPEN/USP, como protagonista "desse grande trabalho”. Ao final,
Calvo retomou a palavra, disse que as instalações do IPEN/CNEN estão à
disposição para novos desafios e parabenizou todos pela coragem de colocar um
produto totalmente nacional a serviço da sociedade. "É o Brasil salvando o
Brasil”
O
superintendente encerrou a cerimônia, que contou ainda com a presença de
pesquisadores do CQMA e da Scav Medical. Após o rito formal, Lugão afimou que
Raphael Scavone "foi gentil” quando procurou ressaltar a participação do IPEN
em todas as fases do projeto, da concepção de produto e processo até a demonstração
de funcionalidade em ambiente relevante. "Porém, a Scav já tinha a intenção de
usar as AgNPs em seu produto, pois estavam surgindo nos mercados inúmeros
microbiocidas à base de nanopartículas de prata para combate ao coronavírus”.