Próxima etapa é desenvolver e projetar o 'scale-up' de produção do Lítio-7, o projeto a ser desenvolvido poderá dar autonomia às usinas Nucleares de Angra.
O lítio é um metal valorizado na área nuclear por ser utilizado nos reatores de potência. O IPEN/CNEN,
em parceria com a Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e a Fundação de Desenvolvimento
da Pesquisa (FUNDEP), está desenvolvendo um
projeto de separação isotópica do metal, assinado em 2020, no valor de
aproximadamente R$2,5 milhões. O objetivo é que o Brasil tenha uma produção
independente de lítio-7 (7Li). Caso seja
bem-sucedido, o empreendimento pode dar sustentabilidade às usinas nucleares tipo
PWR (Pressurized Water Reactor) de Angra I e Angra II, que dependem da importação
do isótopo de 7Li.
O projeto chamado "Separação Isotópica
do Lítio via Troca Iônica” é desenvolvido por uma equipe de pesquisadores do
IPEN/CNEN, coordenada por Oscar Vega, do Centro de Química e Meio Ambiente
(CEQMA) do Instituto. Trata-se de uma forma pioneira, no Brasil, de separar os
isótopos 6Li e 7Li para que, futuramente, seja produzido
o 7Li, muito importante para fins nucleares.
Método
Inovador
O processo desenvolvido para separar os
isótopos de 6Li e 7Li tem como princípio a troca iônica. Vega
garante que o método de separação isotópica do lítio sendo desenvolvido no
IPEN/CNEN é "o caminho mais promissor”. Outra maneira é por meio da
amálgama de mercúrio, mas Veja alerta para os "prejuízos terríveis por conta de
o mercúrio, elemento de grande toxidade, ser descartado diretamente no meio
ambiente”, explica.
O pesquisador afirma que há outros
meios para purificar o lítio, mas não compensam. Segundo ele, a técnica da
troca iônica é o caminho mais inovador e promissor, sendo mais vantajosa na
medida em que possibilita a separação isotópica somente com o uso de resinas
que "vão retendo predominantemente o 6Li e deixando o 7Li
passar”.Vega ressalta o caráter inovador do projeto, no Brasil, no que
diz respeito ao desenvolvimento do produto desejado e da tecnologia utilizada
para a separação dos isótopos – "Isso acontece apenas em países como China e
Japão”, acrescenta.
O Lítio no Brasil
No Brasil, a principal aplicação do
lítio para fins nucleares é nos reatores de fissão nuclear das usinas de Angra
I e Angra II. Devido à baixa seção de choque com os nêutrons térmicos, o 7Li
tem como função controlar o pH da água do circuito primário dos reatores PWR. O
6Li tem maior seção de choque que o 7Li, dificultando o fluxo dos nêutrons térmicos. "O 7Li
é diretamente utilizado nos reatores de Angra, por esse motivo nós precisamos
desse isótopo”, explica Vega.
Atualmente, o metal é importado, mas está em falta no mercado internacional. Conforme
explica Vega, essa carência se dá pelo fato de a "China já ter comprado todo o
material disponível para utilizar em seus reatores”, daí ser "necessário que o
Brasil corra com essa produção”. Segundo o pesquisador, apenas Chile, Argentina
e Austrália estão entre os grandes produtores, "enquanto o restante do mundo
está atrás do lítio”. A maior reserva do mundo de lítio está na Bolívia.
Na avaliação do pesquisador, o Brasil
tem potencial para se tornar um dos grandes produtores e provedores do metal
por ter "uma grande reserva de lítio” – cerca de 8% das reservas mundiais. A
produção nacional de lítio provém do minério espodumênio, localizado no Vale de
Jequitinhonha, entre Bahia e Minas Gerais.
A falta de lítio é a principal carência
das usinas nucleares. O coordenador diz que o projeto desenvolvido tem o
potencial de suprir essas necessidades e, consequentemente, estimularia a
utilização de fontes de energia nucleares – "que produzem energia limpa” – em
detrimento das fontes fósseis.
Mas, para que o Brasil inicie uma
produção autônoma de lítio e possa exportar o metal, conforme os objetivos da
CBL, ainda é necessário aumentar o enriquecimento do 7Li de 92% para
99%.
As fases do
estudo
Dividido em três etapas, o projeto
consiste na purificação, separação e produção do isótopo 7. A primeira delas
foi destinada a separar o lítio de outras impurezas, tais como sódio (Na), cálcio
(Ca) e potássio (K) e foi concluída em 2020, quando os pesquisadores atingiram
um índice de purificação de 99,99% a partir do carbonato de lítio.
A segunda etapa – estágio atual – visa
a separação isotópica entre 6Li
e 7Li. Os isótopos encontram-se na proporção de 7,5% e 92,5%,
respectivamente. O objetivo é conseguir aumentar a quantidade de 7Li
de 92,5% para um valor acima de 99%. Os pesquisadores ainda buscam desenvolver
todos os parâmetros de separação e otimizar o sistema.
Após serem finalizados os testes de
otimização em escala de laboratório, a terceira estapa será a implantação de
uma possível unidade deprodução de 7Li por parte da CBL. Nessa
fase, segundo Vega, deverá ser firmado um outro convênio entre a CBL e o IPEN
para realizar a implantação da unidade de produção do 7Li. Será
necessário produzir 12 kg de hidróxido de 7Li mono-hidratado com 99%
de pureza para suprir as necessidades das usinas de Angra I e II.
Atualmente, o maior fornecedor de 7Li para o Brasil é a Rússia*. "É necessário o Brasil desenvolver tecnologia nacional e não depender de outros países”, observa Vega. A CBL já realiza exportações de lítio para baterias e planeja, futuramente, iniciar as exportações de 7Li.
Separando os isótopos
A separação de isótopos por troca
iônica é um dos processos obtidos por cromatografia. A técnica consiste em duas
fases: a primeira, é chamada de "estacionária”, onde ficam as resinas de troca
iônica. A segunda chama-se fase "móvel” e é constituída por uma solução líquida
contendo os isótopos de interesse a serem separados.
O experimento realizado pelos
pesquisadores ocorreu a partir da utilização de três colunas empacotadas com resina de troca iônica em
série: C1, C2 e C3. Uma amostra purificada de hidróxido de lítio (LiOH) foi
carregada pelo líquido da fase móvel e circulada pelas três colunas.
A separação do lítio explora as
diferenças entre os isótopos. Vega explica que "o 6Li tem um raio
atômico maior, semelhante a uma bola de futebol americano, e o 7Li,
um raio menor, semelhante a uma bola normal”. Devido ao seu tamanho, a maior
parte do 6Li fica retida na resina e o 7Li sai no
efluente. "É como se eu conseguisse fazer com que as duas competissem uma com a
outra e então eu faço com que uma delas caminhe mais rápido, se afaste uma da
outra”, resume Vega.
Ao final do processo, nas amostras da
coluna C1, a abundância do 6Li foi maior que a natural. Na coluna
C2, houve um aumento da abundância do 7Li. O Resultado foi a
separação dos isótopos do 6Li e 7Li, de modo que a
abundância do 7Li subiu de maneira significativa.
O projeto foi prorrogado por mais 10
meses e, de acordo com Vega, "Atingimos a separação isotópica, mas não chegamos
a 99%. Ainda é preciso fazer vários experimentos nas colunas para otimizar o
processo”.
Lítio-6 x lítio-7
Apesar de serem isótopos de um mesmo
elemento, o líder do estudo explica que o 6Li e o 7Li "se
comportam de forma completamente distintas na área nuclear”, devido ao fato de
os isótopos serem "nuclearmente diferentes”.
Enquanto o 7Li tem uso nos
reatores de fissão nuclear, o 6Li é utilizado na fusão nuclear. "Ambos
possuem valor nuclear, mas a utilidade depende da finalidade”, diz Vega.
O pesquisador explica que, nas usinas
de fissão nuclear, como é o caso de Angra I e Angra II, apenas o 7Li
pode ser utilizado para refrigerar os reatores PWR (Pressurized Water Reactor),
por serem capazes de controlar o pH da água sem absorver nêutrons, devido à
baixa seção de choque do 7Li.
"Não posso ter nem 1% de 6Li,
porque ele vai começar a roubar nêutrons. A eficiência do aquecimento do reator
vai decair”, ressalta Vega.
O mercado de
lítio
Para além dos interesses nucleares, o
lítio também possui amplo mercado. As principais aplicações são para baterias,
cerâmicas e vidrarias, ar condicionado, medicamentos, polímeros, graxas
lubrificantes e metalurgia.
No mercado mundial, o lítio é vendido
por toneladas e também sofre quedas e subidas no preço, assim como uma bolsa de
valores. Vega destaca que, nos últimos cinco anos, houve uma valorização de
500% no preço do produto.
Um dos principais motivos do crescente é o aumento
da demanda das baterias iônicas de lítio a partir do início do século XXI. De
2000 a 2020, a produção anual de lítio no mundo saltou de aproximadamente 200
mil toneladas por ano para 600 mil toneladas por ano. As baterias representavam
cerca de 23% do consumo mundial de lítio até o ano de 2017.
A demanda causada pela aplicação de
baterias de íon de lítio (Li-íon) aumentou significativamente o preço do lítio nas últimas
décadas. Somente de 2000 a 2012, o preço do lítio foi de 2 mil dólares por
tonelada para 6 mil dólares por tonelada.
Segundo estudos, o lítio apresenta uma
variedade de propriedades economicamente benéficas e que oferecem diferentes
aplicações químicas e técnicas. Dentre essas, o lítio é o metal que apresenta
maior potencial eletroquímico.
"O Brasil não
pode ser dependente”
Para Vinícius Alvarenga,
superintendente da CBL, a tecnologia é estratégica porque trará
autossuficiência ao Brasil, que além de dominar o ciclo da fissão nuclear,
poderá também ser exportador do isótopo. Atualmente, Rússia e China são os
principais fornecedores mundiais desse isótopo para as usinas nucleares de
fissão, incluindo Angra I e Angra II.
"Hoje, deve haver mais de 450 usinas de
fissão nuclear no mundo e apenas dois países dominando a tecnologia e o mercado
de lítio. Isso dá a medida da importância estratégica e comercial para o Brasil
também dominar esse ciclo e oferecer o isótopo 7 de lítio a países aliados. O
país não pode continuar dependente”, diz Alvarenga.
É o mercado internacional o "grande
vilão” para o Brasil competir em uma futura produção, considerando que o
consumo das usinas de Angra, somente, é pequeno, não traria impacto econômico
muito relevante, de acordo com Alvarenga. Segundo ele, o impacto econômico em
nível mundial é o que faz dessa tecnologia estratégica para o país.
"Inclusive, poderíamos discutir as
estratégias com a rede pública, com a União, para o nosso produto ser absorvido
no mercado internacional. Aí sim, internacionalmente, teria um impacto mais
relevante da tecnologia", acrescentando que o projeto com o IPEN é algo
"bastante distinto da produção da CBL” e, por isso, "muito relevante”.
"Começamos mais timidamente, com apenas
uma pesquisadora, na purificação do composto químico de lítio, mas ao
vislumbrarmos o avanço, nós intensificamos o investimento há dois anos,
montando um laboratório nas instalações do IPEN e participando das despesas em
desenvolvimento e tecnologia”, conta Alvarenga.
As expectativas da CBL é, no curto
prazo, consolidar a separação isotópica. Já foi alcançado o índice de pureza da
ordem de 99.35%, a meta é atingir 99.99%. Depois dessa fase, a produção.
"Precisamos produzir uma certa quantidade que dê para iniciarmos testes de
aplicação dos isótopos na Eletronuclear ou em outras usinas fora do Brasil.
Temos a expectativa que isso se torne uma nova atividade comercial da CBL, no
futuro”, concluiu.
Equipe
multidisciplinar
O projeto está sendo desenvolvido por
meio de cooperação entre áreas do IPEN-CNEN, com equipe liderada pelos
Coordenadores Oscar Vega e Marycel Cotrim. Os outros integrantes são os
pesquisadores Vanderlei Bergamaschi e João Coutinho Ferreira, do Centro de Célula a Combustível
a Hidrogênio (CECCO), os técnicos João Batista de Andrade e Edson Takeshi, do
Centro de Engenharia Química (CEQMA), além da pós-doc Juliana Otomo, as químicas Mariana
Novais de Andrade, Maíse Pastore Gimenez, Letícia Nascimento e dos alunos de
iniciação científica, Henrique Bataglia e Paulo Leão.
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Leonardo Novaes, estagiário
(Com Supervisão)
* Matéria atualizada. Na versão anterior, havia uma citação afirmando sobre possível interrupção no fornecimento. A estatal russa Rosatom, responsável pela comercialização, informou que a Rússia não pretende descontinuar.