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Agência de Segurança Nuclear e suas limitações

Artigo de Sidney Luiz Rabello, engenheiro de segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear*, para o Jornal da Ciência

Fonte: Jornal da Ciência

No Brasil, ainda não foi criada a Agência de Segurança Nuclear (ASN), requerida pela Convenção de Segurança Nuclear, acordo internacional que se tornou lei no Brasil em 1999. Quem executa o papel de Agência de Segurança no Brasil é a Comissão Nacional de Energia Nacional (CNEN), a qual acumula as atribuições de pesquisa, desenvolvimento tecnológico, fabricação, comercialização de radioisótopos e prestação de serviços, atribuições que podem comprometer sua atuação na área de segurança nuclear. Algo similar ao modelo francês de um passado recente, sempre colocado como exemplo a ser seguido pelo Brasil. O fato de a CNEN ter em seus institutos instalações nucleares e radioativas e ainda estar subordinado à CNEN as Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) implica que a CNEN fiscalize a si própria. A autofiscalização é um modelo bastante conhecido e não é a melhor forma de garantir a segurança no uso da energia nuclear, popularmente é a raposa tomando conta do galinheiro.

Não é por menos que a França fez reformas importantes na área nuclear e atualmente garante, pelo menos no papel, a independência de atuação de sua Agência de Segurança Nuclear. A França seguiu o que é preconizado pela Convenção de Segurança Nuclear. O Brasil ainda não, apesar da Agência de Segurança Nuclear Brasileira ser uma exigência legal desde 1999 e um compromisso internacional não cumprido até hoje.

A França constituiu a Agência de Segurança Nuclear em 2006 com independência administrativa, dirigida por cinco membros, designados pelo Presidente da República e pelos Presidentes das duas Casas do Congresso.

A ASN francesa é responsável pela segurança das usinas nucleares, de outras atividades industriais, das atividades de pesquisa e da medicina, do transporte de material radioativo, do rejeito e do descomissionamento. Inclui-se dentre suas responsabilidades a obrigatoriedade de que suas atividades sejam transparentes ao público e ao Congresso.

No Japão, pudemos conhecer o resultado da atuação de sua Agência de Segurança Nuclear que deveria ser também independente. O Japão tem usinas nucleares com um perfil similar ao francês, no que diz respeito ao número de usinas de projeto de segurança nuclear arcaico da década de 1970, como é o caso das unidades de Fukushima. Mesmo assim, seria esperado que, apesar do tsunami, nenhum material radioativo ou uma quantidade bem limitada fosse liberado para o meio ambiente em resultado da fusão do núcleo do reator, caso tivessem sido realizadas reformas em função da experiência adquirida pelo acidente de Three Mile Island de 1979. O que ocorreu foi exatamente ao contrário: grandes quantidades de material radioativo foram liberadas, além da explosão pirotécnica de hidrogênio.

Na realidade, as proporções das consequências do acidente de Fukushima no Japão não foram decorrentes do tsunami que a imprensa divulgou fartamente como causa. O principal responsável pela liberação de material radioativo para o meio ambiente foi que a Agência de Segurança Nuclear japonesa não desempenhou seu papel de garantir a proteção do meio ambiente e a segurança do povo japonês.

O relatório da Comissão de Investigação do Congresso Japonês, disponível na internet, concluiu que houve um conluio entre a empresa operadora, proprietária das usinas de Fukushima, e a Agência de Segurança Nuclear. Isto é, houve uma combinação entre as duas empresas (a operadora e a agência) para não se seguir a regulamentação de segurança nuclear. Esta foi a principal conclusão sobre o acidente de Fukushima. Se o conluio não ocorresse, certamente a contaminação do meio ambiente seria inexistente ou bastante limitada e a população não estaria sofrendo até hoje, desalojada de sua casa e incapacitada de ganhar sua vida em atividades nas regiões próximas das usinas de Fukushima.

O acidente de Fukushima evidencia fortemente que não basta a criação da Agência de Segurança Nuclear e uma lei que garanta a independência de atuação e a transparência do processo de licenciamento. É necessário que a população fiscalize sistematicamente, através de Instituições Civis Independentes, que não tenham compromissos com os lobbies nucleares, se a Agência está desempenhando adequadamente suas funções de segurança e se a transparência do licenciamento é completa. O papel de fiscalização da atuação da Agência também deve ser exercido pelo Congresso Nacional, que através de uma comissão especializada receba e analise anualmente relatórios da Agência e submeta seus dirigentes a questionamentos. Por outro lado, o Governo Federal também deve criar mecanismos para fiscalizar se os objetivos de segurança nuclear da ASN estão sendo atingidos, livrando a instituição de corporativismos ou da influência do lobby industrial-burocrático-governamental.

Em geral, na sociedade existem dois grupos que pensam a energia nuclear. Um grupo defende as aplicações da energia nuclear fanaticamente como se a tecnologia de fronteira não oferecesse qualquer risco, apenas um progresso tecnológico para o país e um trunfo estratégico no jogo geopolítico. Este segmento em geral despreza, ignora ou acha irrelevantes as questões de segurança e ambientais e julga a sua consideração um mal necessário. Deste grupo em geral fazem parte o "stablishment” nuclear, segmentos associados como funcionários das empresas nucleares, setores industriais afins e universidades ligadas às empresas nucleares, através de contratação de serviços. Em geral, este grupo constitui um forte lobby junto ao governo, dispondo de meios financeiros diretos e indiretos para conquistar corações e mentes, desde prefeitos, dirigentes de escolas dos três graus, a mídia em geral, segmentos importantes do executivo, do legislativo e judiciário. Uma das fortes bandeiras deste grupo é "quem é contra as usinas nucleares não é nacionalista”, vai contra os interesses nacionais. Só eles são nacionalistas, mesmo que o projeto das usinas não seja feito no Brasil, como Angra 1, 2 e 3. Também utiliza da complexidade tecnológica de uma usina nuclear para desqualificar qualquer crítica de leigos, como se a população que vive no entorno das usinas precisasse ser composta de engenheiros nucleares para saber que um acidente nuclear não faz bem para a saúde. Muitas vezes a defesa cega das usinas nucleares aparenta ser na verdade a defesa da corporação e dos dirigentes das empresas, nem sempre algo sadio para a sociedade, principalmente quando desconsidera a segurança das usinas.

O segundo grupo é constituído basicamente pelos ecologistas, composto de uma gama grande de posicionamentos, mas o preponderante é de ser contra as usinas nucleares. Não sem razão. Os acidentes de Three Mile Island, Chernobyl e de Fukushima, principalmente estes dois últimos, dão fortes argumentos a este grupo. Também questiona com propriedade: Se a história da humanidade demonstra que não há instituição ou edificação que sobreviveu por 5 a 10 mil anos, como se pode garantir um armazenamento seguro do rejeito radioativo por dezenas de milhares de anos? Este grupo já teve muitas vitórias em prol do meio ambiente e terá muitas vitórias pela frente. Hoje no Brasil temos secretarias de meio ambiente em prefeituras e governos estaduais e um Ministério de Meio Ambiente, além da criação da consciência na população cada vez maior a favor da preservação do meio ambiente, resultado de lutas do movimento ecologista. Veja bem, a bandeira da preservação do meio ambiente não é apenas uma bandeira de preservação das florestas, da atmosfera, dos rios e oceanos, é uma bandeira que defende as condições para que todos os seres humanos venham a viver bem. Não se pode esquecer que a bandeira dos ecologistas é uma bandeira nacionalista, que não é um privilégio dos "escolhidos” do primeiro grupo. Inclusive o primeiro grupo propaga que os ecologistas são inimigos da Pátria, a serviço de interesses estrangeiros para impedir nosso desenvolvimento, como nas melhores teorias da conspiração. Isto tudo para desmoralizar o movimento ecologista e permitir o uso indiscriminado da energia nuclear e do meio ambiente.

Neste ambiente dos "a favor” e dos "contra”, as usinas são construídas e sempre nos termos dos "a favor”.

Infelizmente não existe um terceiro grupo, que poderia ser constituído (1) daqueles que são a favor das usinas nucleares, condicionado a que sejam projetadas e construídas de forma segura e respeitando as opiniões e os temores dos leigos; e (2) daqueles que são contra as usinas, mas enquanto não se consegue ter condições políticas de impedir novas usinas e fechar as que estão em operação, exigem transparência e que as usinas sejam seguras.

Nos dias 27 e 28 de outubro foi realizado o Seminário "Usinas Nucleares – Lições da Experiência Mundial”, patrocinado pelo senador Cristóvão Buarque, presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal com apoio do arquiteto Francisco Whitaker na coordenação do evento. Participaram do seminário especialistas brasileiros, franceses, alemães, japoneses e americanos. A segurança das usinas nucleares brasileiras e a criação da Agência de Segurança Nuclear Brasileira foram destacadas pelos brasileiros, reabrindo a discussão muito necessária do anteprojeto de lei da Agência preparado a portas fechadas pelo Governo Federal.

É importante que a comunidade científica, ecologistas, as populações que vivem no entorno das usinas de Angra e das instalações nucleares do ciclo do combustível, profissionais de segurança nuclear e a sociedade brasileira como um todo participe do debate e da elaboração de um projeto de lei que contemple a independência da Agência e impeça a sua captura pelo lobby nuclear e pela operadora das usinas nucleares, tal como ocorreu no Japão pré-Fukushima.

* As opiniões do autor não são necessariamente refletem as posições da Comissão Nacional de Energia Nuclear.

** A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do jornal.

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