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Eletronuclear deixa de informar vazamento de material radioativo no mar e vira alvo na Justiça

Empresa nega dano ambiental, diz que "pequeno volume" do material lesivo foi "lançado de forma involuntária" nas águas e, após análise, não foi encontrado "nenhum resultado significativo"

Fonte: O Globo

Por Reynaldo Turollo Jr., O Globo — Brasília

A Eletronuclear deixou de informar imediatamente aos órgãos de fiscalização um vazamento de material radioativo ocorrido em setembro do ano passado na usina de Angra 1 que resultou no lançamento de água contaminada na Baía de Itaorna, em Angra dos Reis, segundo documentos obtidos pelo GLOBO. A estatal responsável por gerir as usinas nucleares do país só comunicou o fato ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) 21 dias após o episódio. A companhia estimou que 90 litros tenham escorrido para o mar. O caso é alvo de uma ação cível pública na Justiça.

Procurada, a Eletronuclear alega que um "pequeno volume" do material lesivo foi "lançado de forma involuntária no sistema de águas pluviais" e que se tratou de um "incidente operacional", sem a necessidade de cumprir o "rito de notificações que seriam obrigatórias em caso de acidente" e que, após analisar o episódio, não foi encontrado "nenhum resultado significativo".

A CNEN, responsável por supervisionar e controlar o programa nuclear do país, o Ibama e o Ministério Público Federal afirmam que houve demora na comunicação do vazamento às autoridades, o que passou a levantar dúvidas sobre os dados fornecidos pela Eletronuclear nesse caso. As dimensões do vazamento e os danos causados ao meio ambiente e à saúde humana ainda são desconhecidos pelos órgãos, que querem aprofundar a investigação do caso.

Nesta quarta-feira, a juíza federal Monica Maria Leone Cravo determinou que a Eletronuclear avalie todos os possíveis danos causados na Baía de Itaorna e divulgue publicamente "informações objetivas sobre o acidente e as medidas adotadas para remediar os danos, de forma a garantir o direito à informação da população afetada e a prevenir a manipulação de informações”. "Ressalte-se que o requisito do ‘periculum in mora’ (risco de demora) também se encontra devidamente preenchido, considerando que a hipótese de dano nuclear sem a devida notificação do órgão regulatório em tempo hábil, aliada à ausência de informações claras e objetivas acerca da extensão do dano, ocasiona prementes riscos ao meio ambiente, à vida, à saúde e a integridade físico-psíquica da coletividade, valor ético-jurídico supremo no ordenamento jurídico pátrio”, concluiu.

Segundo o especialista em engenharia nuclear Aquilino Senra, do Coppe-UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia), a falta de comunicação do vazamento contraria as normas do setor. Segundo ele, uma vez identificado um vazamento de uma usina nuclear e analisadas as suas consequências, a empresa tem que notificar o CNEN e o Ibama o mais rápido possível, sendo razoáveis atrasos de no máximo dois ou três dias.

— Se não teve problemas, o ideal é uma empresa agir de forma mais conservadora, emitir esclarecimentos — afirmou Senra, que falou em tese e sem mensurar o impacto ambiental por desconhecer o caso concreto.

Uma das condições que constam da licença de operação dada à usina pelo Ibama (nº 1.217/2014) prevê que "os acidentes ambientais deverão ser comunicados via Sistema Nacional de Emergências Ambientais imediatamente após o ocorrido”. Inicialmente, a estatal ligada ao Ministério de Minas e Energia informou às autoridades que o material radioativo foi contido e não vazou das suas instalações. Depois, mudou de versão e admitiu que uma pequena parte acabou lançada ao mar.

O lançamento do material radioativo ao mar foi registrado no dia 16 de setembro, uma sexta-feira, mas só chegou ao conhecimento de autoridades fiscalizadoras quase duas semanas depois, no dia 29 do mesmo mês. Na ocasião, uma denúncia anônima com detalhes foi enviada ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que, por sua vez, encaminhou o relato ao Ibama e à CNEN. Em 30 de setembro, servidores do Ibama fizeram contatos com funcionários da Eletronuclear, que inicialmente negaram ter havido qualquer incidente, conforme um relatório do órgão ambiental.

Naquele mesmo dia 30 de setembro, a Eletronuclear chegou a enviar uma nota a um veículo de imprensa que noticiou o caso classificando a denúncia anônima como "inverídica". Na ocasião, a versão da empresa dizia que, durante uma inspeção de rotina, foi detectado um ligeiro aumento dos níveis de radiação em uma das salas de trabalho da usina por causa de água empoçada em um ralo, que foi rapidamente drenada e contida no próprio local.

Três semanas depois, no entanto, a versão dada aos órgãos fiscalizadores mudou, sem qualquer esclarecimento público. Em 7 de outubro, a Eletronuclear notificou o Ibama sobre o vazamento no mar, e no dia 11, a CNEN. A comissão realizou, então, uma fiscalização no local, e registrou, em um relatório datado de 20 de outubro, que "chama a atenção a questão de demora para informar a situação ao órgão regulatório”.

A CNEN questionou os motivos do atraso, especialmente porque, dias antes, a usina tinha recebido a visita presencial de técnicos da comissão. "Estranho tal evento não ter sido informado (a eles)”, destacou o órgão de fiscalização. Nesta semana, um diretor do Ibama enviou ofício a um diretor da CNEN solicitando o agendamento de uma reunião entre os dois órgãos para tratar da necessidade de uma vistoria em Angra 1, de "vulnerabilidades nas instalações” e de "providências tomadas ou ainda pendentes decorrentes do acidente” registrado em setembro.

Em nota divulgada após a publicação da reportagem, a CNEN afirma que a Eletronuclear deveria ter informado às autoridades sobre o vazamento, mas que apesar do erro de procedimento o material radioativo lançado no mar não representa riscos para a saúde humana e para o meio ambiente, segundo o órgão.

"A equipe residente realizou uma inspeção e coletou amostras no local, com os resultados indicando a presença de radionuclídeos artificiais em níveis que não representavam qualquer risco à população e ou ao meio ambiente", diz a nota. "A CNEN notificou o operador que eventos dessa natureza devem sempre ser prontamente reportados à Instituição e permanece acompanhando a situação."

Na última terça-feira, o procurador da República Aldo de Campos Costa ajuizou uma ação civil pública na Justiça Federal em Angra dos Reis contra a Eletronuclear, acusada de atuar com "ausência de transparência e irresponsabilidade na comunicação do acidente nuclear”.

De acordo com o Ministério Público Federal a própria nota divulgada à imprensa pela Eletronuclear evidencia que houve uma tentativa de esconder o vazamento de material radioativo. "Essa postura da empresa levanta questionamentos sobre a transparência e a seriedade com que a Eletronuclear trata a questão da segurança nuclear e a comunicação de incidentes”, afirmou Costa na ação.

A Procuradoria pediu à Justiça que determinasse, de imediato, que a Eletronuclear fizesse em 30 dias uma avaliação completa dos danos, "incluindo a contaminação de água, solo e ar, bem como os impactos na saúde humana e na vida marinha na Baía de Itaorna”, e elaborasse um plano para mitigá-los.

O órgão também pediu que a estatal fosse obrigada a "não ocultar ou manipular informações sobre o acidente e seus impactos na saúde humana e no meio ambiente, e prestar informações transparentes e precisas às autoridades competentes e à população afetada”. As solicitações foram deferidas nesta quarta-feira.

A Eletronuclear afirmou ao GLOBO que vai contestar os relatórios do Ibama e da CNEN que apontam atraso na comunicação do acidente. No entendimento da empresa, o vazamento foi tratado internamente como um incidente operacional reportado nos relatórios regulares, e não como um acidente que justificaria uma notificação imediata às autoridades.

"(A princípio) verificou-se que o problema era oriundo de água empoçada em um ralo localizado no edifício auxiliar. Tratava-se de uma quantidade mínima de líquido que foi prontamente drenada e, em grande parte, contida nos próprios sistemas de coleta da usina. Posteriormente, verificou-se que um pequeno volume deste material foi lançado de forma involuntária no sistema de águas pluviais (que levou ao mar)”, afirmou.

"Inicialmente por conta própria e depois sob demanda do Ibama, a empresa intensificou a monitoração radiológica no local de despejo das águas pluviais sem encontrar nenhum resultado significativo”, acrescentou a estatal.

A Prefeitura de Angra dos Reis entrará como coautora na ação que o Ministério Público Federal move contra a Eletronuclear por não ter informado imediatamente sobre o vazamento de material radioativo na usina Angra 1. Na manhã desta quinta-feira (23), o prefeito Fernando Jordão falou por telefone com o presidente da estatal, Eduardo Grivot de Grand Court, e cobrou explicações. "Sou prefeito de Angra, onde ficam as usinas, e em nenhum momento fui informado sobre o caso, nem a Defesa Civil ou o Centro Integrado de Informações Estratégicas em Saúde. As responsabilidades precisam ser apuradas."








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