Lei que proíbe governo de São Paulo distribuir remédio para medicina nuclear prejudica milhares de brasileiros com câncer
Tecnicamente seria aceitável, mas na prática, os hospitais não conseguem separar o produto só para pacientes do SUS. Cada frasco de FDG, que dura poucas horas, é usado diretamente nos pacientes já posicionados nos equipamentos que fazem a tomografia. E ali são atendidos tanto os pacientes do sistema público quanto os clientes de planos particulares. Isso resultou na suspensão das compras de todos os hospitais conveniados com o InRad. É o que se pode identificar como a engenhosidade parlamentar para o mal.
E Carlos Pignatari não está nem aí para as consequências. E também não está nem aí para as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público de São Paulo. O resultado atendeu aos seus anseios: apenas duas empresas dominando um segmento vital da medicina nuclear. Para se entender melhor os resultados, o corte de receitas simplesmente levou o HC a cogitar o fechamento do centro de pesquisas, que teve um investimento público de R$ 7,7 milhões para sua construção há cerca de dez anos. Até a chegada da Lei Pignatari, o laboratório não precisava de aporte do governo. A receita do InRad com a venda das sobras do FDG era estimada em R$ 700 mil por mês, o suficiente para cobrir os custos da equipe e da manutenção e, investir em pesquisas.
Outro fato que surpreendeu, na mesma época, foi a CNEN, que regula a produção de produtos radiofármacos no País, suspender também as vendas da Cyclobras após a edição da lei, em outubro de 2019. Durante seis dias, enquanto durou a suspensão, a IBF se tornou a única fornecedora do insumo em todo o Estado de São Paulo. Desde então, o preço do FDG já subiu cerca de 15%em apenas dois meses num país de inflação baixa e controlada. O produto custa cerca de R$ 700 por exame. Considerados apenas os principais hospitais filantrópicos da capital, há uma demanda de ao menos mil exames PET-CT ao mês. O FDG, como qualquer produto de medicina nuclear, é altamente perecível. A substância perde metade da sua radioatividade a cada duas horas, a chamada meia-vida. O InRad tinha a vantagem de estar localizado na capital, onde há a maior concentração de exames PET-CT no País, e a poucos quilômetros dos principais hospitais paulistanos. O FDG é fabricado com um acelerador de partículas, chamado cíclotron, próprio para a produção de insumos da medicina nuclear.
Falar mesmo Pignatari não fala, mas uma nota em seu nome, repetida pela mídia, diz que "A lei em questão não proíbe o Instituto de Radiologia de vender 18F-FDG aos hospitais filantrópicos de SP, como o Einstein, Sírio-Libanês e HCor; sequer trata dos negócios do InRad (do HC).” Pronto e acabou-se. Se houvesse uma preocupação real de se legislar para todos, o deputado paulista poderia usar bom senso para voltar atrás em sua proposta. Mas bom senso, em alguns casos, é o mesmo que esperar o milagre de uma chuva torrencial sobre o deserto.