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Brasil vai debater seu bagunçado setor nuclear. O que pode sair disso? - Gazeta do Povo

A necessária modernização da exploração nuclear será complexa: depende do Congresso em um ano eleitoral, envolve discussões sobre o tamanho do Estado e o custo das estatais, além da discussão sobre impactos ambientais e sociais

Fonte: Gazeta do Povo

Flávia Pierry

O governo quer criar uma política nuclear brasileira, fundamental para desenvolver o setor para além de questões de defesa e segurança nacional ou da geração de eletricidade. A necessária modernização da exploração nuclear será complexa: depende do Congresso em um ano eleitoral, envolve discussões sobre o tamanho do Estado e o custo das estatais, além da discussão sobre impactos ambientais e sociais.

Desde 16 de janeiro, dois grupos técnicos estão encarregados de elaborar a proposta da Política Nuclear Brasileira e analisar a conveniência da flexibilização do monopólio da União na pesquisa e na lavra de minérios nucleares. Esse trabalho pode influenciar o debate eleitoral em 2018 sobre os rumos do setor nuclear no país.

"Se não reformularmos o setor, vai ficar uma bagunça eterna. É uma grande iniciativa do governo de fazer essa discussão. As empresas estrangeiras querem investir no Brasil”, afirmou Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN).

Mudanças pontuais, que flexibilizam regras para permitir participação privada (PPPs) mantendo o monopólio estatal podem ser realizadas ainda em 2018. Porém, grande parte do que for produzido pelos grupos de trabalho terá de ser transformado em lei, o que depende do Congresso e de alterações na Constituição, algo de difícil aprovação.

"Abrirmos para PPPs na mineração do urânio não é um problema, mas precisamos ter o controle. Não é papel do Estado assumir isso. Precisamos de regras, de uma agência reguladora para a área nuclear. O mundo foi apresentado à área nuclear pela bomba, mas as pessoas que esquecem que a tecnologia nuclear está presenta quando estão fazendo um exame de saúde”, afirmou Cunha.

Dívidas, amarras e pouca eficiência

O setor nuclear brasileiro tem dificuldades financeiras e está preso a amarras impostas à atividade estatal, atrapalhando o desenvolvimento de projetos, atração de investimentos e o atendimento à demanda nacional. Parte do problema reside em um embaralhamento das funções dos principais órgãos do setor: o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), e das empresas estatais Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) e da Nuclebras Equipamentos Pesados (Nuclep).

A interrupção na construção da usina termonuclear de Angra 3, por implicações da operação Lava Jato, também atrapalha o setor. Devendo ao BNDES pelo empréstimo tomado para construir a usina, a Eletronuclear está sem dinheiro para arcar com o combustível nuclear para a INB. Após negociação, a Eletronuclear deve para a INB R$ 654 milhões, que não foram pagos até o final de 2017. Ao traçar uma nova política nuclear, a retomada da construção da usina, que deverá custar até R$ 20 bilhões e dependerá de uma parceria com empresas privadas, precisará ser equalizada.

Alto risco com investimentos do governo

A falta de recursos e o monopólio estatal pela pesquisa, lavra e exploração nuclear são outros entraves para o setor. Na avaliação de um especialista ligado ao governo, que falou em condição de anonimato, esse modelo em que a União deve investir em atividades com resultado incerto, como a pesquisa mineral, é "ultrapassado”.

Sem dinheiro e pesquisas, o setor fica imobilizado. O setor produtivo quer flexibilização das regras, mas concordam em manter sob monopólio estatal o chamado enriquecimento do urânio (processo feito em reator nuclear e a partir do qual se faz a bomba atômica).

A INB, estatal responsável pela lavra de urânio no país, não tem capacidade para atender a toda a demanda nacional, mas é a única empresa que pode explorá-lo. Se uma mineradora encontrar urânio enquanto estiver explorando outros minerais, é obrigada a informar a INB e separar o material, para que seja retirado pela estatal.

O governo, via INB, não consegue sequer dar conta de recolher o urânio encontrado por mineradoras. Fontes do setor indicam que em uma área de exploração mineral privada em Pitinga, na Amazônia (em área com lavra concedida para exploração de fosfato), o urânio encontrado está separado, ocupando espaço e aguardando que seja retirado pela INB.

"O Estado brasileiro não deve correr o risco geológico durante a pesquisa. Já não temos dinamismo no mercado mineral nuclear, por falta de ambiente de negócios. Com o monopólio, cria-se outra trava, impedindo o país de conhecer seu potencial mineral. Não acho que seja ruim a flexibilização. O monopólio poderia ser da geração da energia ou uso bélico, mas a pesquisa de lavra em si pode ser exercida pelo ente privado sob condições específicas, com um rigor regulatório maior”, avalia o especialista, ouvido sob condição de anonimato.

As estatais responsáveis por viabilizar a atividade nuclear com exclusividade são dependentes de recursos da União e competem com áreas como saúde e educação pelos recursos. Um levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, mostra que os gastos com pessoal e despesas correntes consomem 98% do orçamento da Nuclep e 92% do INB.

Nuclear além da segurança e eletricidade

O Brasil ainda tem muito para desenvolver no setor nuclear na produção de medicamentos e componentes para uso da medicina. Essas áreas ampliam as possibilidades de parceria para o desenvolvimento de tecnologia que pode beneficiar mais segmentos, como o de radiofármacos, medicamentos utilizados em exames diagnósticos ou no tratamento de doenças como o câncer.

Entre os projetos que já estão em andamento no Brasil está a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). O projeto foi lançado em 2008, ainda está em fase de licenciamento e depende de recursos do Orçamento. A expectativa é ter o reator funcionando em 2024.

O reator pode aprofundar as pesquisas para usos sociais nucleares, como os medicamentos. O Brasil não consegue suprir sua demanda os radiofármacos utilizados em exames como tomografias. O Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (Ipen) importa os elementos químicos para produção dos radiofármacos, fabrica os medicamentos e faz a distribuição para mais de 400 clínicas no país. Isso atende a mais de 2 milhões de procedimentos médicos no ano, ainda bem abaixo de outros países e deixando parte da população sem acesso a esses exames e tratamentos.

O coordenador-técnico do RMB, o pesquisador José Augusto Perrotta, avalia que apesar da falta de recursos públicos, esse segmento não deve ser alvo de parcerias com o setor privado. "Temos feito o que é possível dentro do Orçamento. A fase de reator é complexa. Isso não é um negócio. É uma ação de Estado”, avalia.

No Brasil, a capacidade de produção de urânio é de 400 toneladas ao ano. Segundo a INB, o objetivo é aumentar para 800 toneladas e chegar a 1.200 toneladas/ano sob a forma de concentrado de urânio. O país é um dos 12 em todo o mundo que podem enriquecer urânio, ao lado de China, Estados Unidos, França, Japão, Rússia, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Brasil, Índia, Paquistão e Irã.

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