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Diretora da ABEN, física nuclear, acha que país falha por abandonar projetos e não estimular o ensino no setor. Conheça Olga Mafra

Fonte: Blog Tania Malheiros 

Diretora da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), a física e engenheira nuclear Olga Mafra, tem na bagagem vivências nas mais diversas ações do governo brasileiro. Ela defende a divulgação da energia nuclear, critica a não continuidade de empreendimentos e a falta de estimulo ao ensino no setor. "Um dos problemas que o Brasil sempre enfrentou, inclusive na área nuclear, foi a falta de continuidade”, comenta. E enfatiza: "Mesmo numa área estratégica como a nuclear, onde os projetos são de longo prazo, ao contrário de outros países, a primeira atitude tomada no Brasil é abandonar o objetivo ou, pelo menos, paralisar as atividades resultando em gastos enormes, perda de capacitação, dificuldades com equipamentos já adquiridos ou com contratos assinados no País ou no exterior”. A paulista que foi aluna de personalidades históricas da energia nuclear, como Marcello Damy de Souza Santos, não foi atingida pelo machismo. "Os professores com os quais trabalhei nunca levaram em conta se éramos mulheres, ou homens, mas se estávamos dispostos a aprender e a trabalhar. De maneira que isso não foi relevante na minha vida profissional’, comenta. No mês em homenagem às mulheres, eis a nossa entrevistada:

Conte um pouco sobre a sua atuação na direção da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN).

Tenho colaborado com a ABEN há várias diretorias. Atualmente coordeno o Projeto Embaixadores Nucleares e a edição da Revista Brasil Nuclear. O desafio da atual Diretoria é fazer com que a Associação evolua e cresça, trazendo mais benefícios para seus sócios individuais e institucionais. A ABEN está procurando ampliar o horizonte em que se insere, para que tanto os profissionais como empresas envolvidos na tecnologia nuclear participem ativamente da associação com seus conhecimentos.

Sobre o seu interesse e como ingressou na área nuclear.

Cursava o terceiro ano de Física no IFUSP quando o IPEN (então IEA – Instituto de Energia Atômica) divulgou um concurso para selecionar bolsistas de iniciação científica. Confesso que até então não sabia o que era Energia Nuclear. No IPEN, como bolsistas, éramos orientados pelos físicos, engenheiros, químicos, médicos, farmacêuticos, biólogos, por exemplo, e ajudávamos aos técnicos. Isso me fez conhecer as atividades do IPEN também de maneira prática e não apenas teórica, o que em minha opinião foi um forte componente na minha formação.

Influências? Como escolheu esta área até então com pouca participação feminina.

Fui bolsista por três anos no IPEN e passei pelas várias áreas de pesquisa, o que me fez perceber o quão amplas e diversificadas eram a Energia Nuclear e suas aplicações. Logo me interessei por pesquisas experimentais com reator e medidas não destrutivas com técnicas nucleares. Tiveram grande influência na minha formação, com certeza, os profs. Marcello Damy de Souza Santos, Silvio Herdade, Fausto Lima, José Goldemberg, Júlio Kieffer e claro o professor Rômulo Ribeiro Pieroni que foi durante anos diretor do IPEN.

E as mulheres?

Na maior parte das áreas técnicas os homens são maioria, mas ainda como bolsista conheci as pesquisadoras: Constanza Pagano, Laura Atalla, Ludmilla Federgrun, Wilma Hell, que já chefiavam setores no IPEN. Nessa época a Dra. Bartyra Arezzo já era uma pesquisadora de grande renome, no Rio de Janeiro. Os professores com os quais trabalhei nunca levaram em conta se éramos mulheres, ou homens, mas se estávamos dispostos a aprender e a trabalhar. De maneira que isso não foi relevante na minha vida profissional.

Como analisa o campo da Energia Nuclear hoje no Brasil?

Um dos problemas que o Brasil sempre enfrentou, inclusive na área nuclear, foi a falta de continuidade. Fui sempre favorável a dar andamento aos projetos que já existem e, aos poucos, ir acrescentando os novos que se fazem necessários, sem perder o objetivo. Mesmo numa área estratégica como a nuclear, onde os projetos são de longo prazo, ao contrário de outros países, a primeira atitude tomada no Brasil é abandonar o objetivo ou, pelo menos, paralisar as atividades resultando em gastos enormes, perda de capacitação, dificuldades com equipamentos já adquiridos ou com contratos assinados no País ou no exterior.

Quais as atividades que considera fundamentais para manter uma chama nuclear?

Acelerar as obras de conclusão da usina Angra 3, tendo em vista o alto investimento já feito, a necessidade de energia de base e o suprimento energético no País. Sem concluir Angra 3 é muito pouco provável que se invista em novas usinas nucleares. Continuar investindo para que o Brasil se torne autossuficiente no ciclo do combustível nuclear, com a conclusão da unidade de enriquecimento de urânio, a construção da unidade de conversão e mantendo a mineração de urânio. Definir o(s) local(is) e construir o repositório nacional de rejeitos de baixa e média atividade cujo projeto está pronto há anos. Iniciar a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). Esse projeto é fundamental para a produção de radiofármacos no país, cuja demanda cresce ano a ano. O projeto foi iniciado pelo IPEN/CNEN há mais de 12 anos, contou com a participação da Amazul e da empresa argentina Invap e conseguiu-se chegar ao projeto detalhado.

Poderia citar outros?

A conclusão do Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (LABGENE), que será utilizado para validar as condições de projeto e ensaiar todas as condições de operação para o protótipo em terra do reator nuclear para propulsão naval. É de grande prioridade, não somente pela construção do submarino nuclear brasileiro, mas por todos os estudos dele decorrentes que servem para outros reatores de pequeno porte. Com base nas diretrizes do Plano Nacional de Energia 2050, há a previsão de instalação de cerca de 8 a 10 GWe de energia nuclear nos próximos 30 anos. Considerando os tempos de construção e custo de usinas nucleares é necessária a sinalização de uma série de usinas com a elaboração de um programa de expansão nuclear, que permita atingir a meta do PNE 2050. E ainda a escolha entre os sítios nucleares (já há anos estudados), quais seriam os mais apropriados para a construção de novas usinas nucleares e realizar os estudos adicionais necessários de modo a permitir o desenvolvimento desse programa de expansão de geração de energia nuclear definido pelo plano 2050.

Como vê o futuro no setor?

A energia nuclear nos anos recentes, mesmo não sendo renovável, vem sendo considerada por várias entidades e países como energia "verde”, devido a sua baixa emissão de CO2, adquirindo cada vez mais importância para a transição energética. A alta disponibilidade do combustível nuclear, seu grande poder energético, o baixo valor de O&M das usinas nucleares, suas reduzidas áreas de construção, a independência de condições climáticas para seu funcionamento e os problemas de dependência energética trazidos com a guerra Rússia e Ucrânia estão levando a energia nuclear a patamares muito maiores de uso e desenvolvimento no mundo do que no passado.

Como inserir o Brasil na questão?

O Brasil tem um sistema elétrico especial pela contribuição extremamente alta de fontes renováveis, graças ao uso intenso de um enorme potencial hidrelétrico. As hidrelétricas são responsáveis ​​por 64% e as "novas renováveis” (eólica, solar, pequenas hidrelétricas e biomassa) por 22%. A termoeletricidade fornece os 14% restantes (incluindo 2% nuclear). Seguindo o que ocorre no resto do mundo, haverá certamente um aumento do uso da energia nuclear, mas que o Brasil não deverá ultrapassar a ordem dos 10% pela própria natureza da nossa matriz energética. Reatores do tipo Geração 3+ e SMRs estão em desenvolvimento na grande maioria dos países e certamente serão adotados aqui.

Os concursos são escassos na área. Quais seriam as alternativas para os novos físicos no Brasil? Na Engenharia Nuclear, como já publicamos, os alunos, uma vez formados, estão buscando oportunidades fora do Brasil...

As atividades nucleares mínimas listadas como prioridades não serão atingidas sem a formação e treinamento de novos profissionais na área nuclear. O andamento de nosso programa nuclear sempre foi extremamente lento. Com isso, muitos profissionais da tecnologia nuclear com formação de nível internacional já se foram, se aposentaram, ou perderam o incentivo mudando-se para outras áreas de conhecimento. A não realização de concursos para contratação de novos profissionais, muitos com mestrado e doutorado em energia nuclear, levou estudantes a procurarem trabalho no exterior ou, devido à excelente formação adquirida na área nuclear, a se dedicarem a outras atividades. Este fato levou a um lapso de conhecimento, pois os mais antigos não tinham a quem repassar seus conhecimentos ao se aposentarem e com isso houve muito conhecimento perdido.

O que fazer?

No Brasil há excelentes cursos de graduação e pós-graduação em Engenharia Nuclear no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Recife, que nada ficam a dever a cursos no exterior. Mas essa atividade deveria se expandir, inclusive dando mais suporte às Universidades. Além disso, grande parte das teses de Mestrado e Doutorado são realizadas nos institutos da CNEN (IEN, IRD, IPEN, CDTN, CRCN/NE) ou em universidades e estas instituições precisam recompor sua rede de pesquisadores que sofreu grande diminuição ao longo dos anos, para poder orientar os novos estudantes em formação.

A História mostra que o setor nuclear, no passado, era praticamente desconhecido da população. Qual a sua opinião sobre a divulgação da área nuclear junto à população? Sugestões?

Há muitos anos vem sendo propostos e realizados programas para divulgar a tecnologia nuclear, procurando levar mais conhecimento sobre suas vantagens a profissionais de outras áreas, estudantes, e ao público em geral. As próprias empresas nucleares e os Centros de Pesquisa, desde sua criação deram muita ênfase à comunicação na região onde estavam inseridos, até mesmo para ter aceitação local e também de modo mais amplo. Todas essas empresas e centros têm há vários anos um setor de comunicação extremamente ativo. Em vários ambientes como ABEN, ABDAN, LAS, SBPC e várias outras Sociedades, grupos e canais da internet, entre outras, o assunto sempre foi considerado de grande prioridade, sendo promovidos, continuamente, programas, cursos, publicações, treinamentos, competições, projetos para estudantes, visitas e pesquisas para se saber a aceitação da energia nuclear atualmente. Isso sem deixar de mencionar o próprio Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro (CDPNB), que constituiu um de Grupo Técnico para promover o fortalecimento e a integração das atividades de comunicação social, voltadas para o desenvolvimento do setor nuclear brasileiro.

O que mais?

Embora o panorama tenha se modificado há ainda muito por ser feito. Um dos projetos que a ABEN coordena e que está em andamento é a Competição Embaixadores Nucleares. Essa competição a nível nacional procura, através de estudantes de graduação e pós-graduação, apresentar e implementar ideias para divulgar, ensinar, discutir e dar transparência sobre os benefícios, as aplicações e a segurança da Tecnologia Nuclear. As ações ou trabalhos propostos podem ser dos mais variados tipos (ciclo de palestras, workshops, eventos em escolas, curta metragem, edição de livro ou cartilha, vídeos, jogos, etc.) sempre visando informar ao público sobre os benefícios da Tecnologia Nuclear como também responder às dúvidas, anseios e preocupações desse público.

As energias alternativas, como a solar, estão em alta. São consideradas mais saudáveis ao meio ambiente. Pode ser o começo do fim da energia nuclear?

Um modelo energético que não dependa de combustíveis fósseis (gás, diesel) torna-se cada vez mais importante havendo duas opções disponíveis: nuclear e renovável. As energias renováveis como Solar, Eólica, Hidroelétrica e Biomassa já são parte do mix da matriz energética brasileira que, devido a isso, é extremamente limpa. Pode-se dizer que a transição energética já está em andamento há anos. A energia nuclear representa apenas 2,2% da matriz elétrica e, mesmo considerando-se o PDE para 2050, não atingirá mais do que 10%, pois dispomos de várias fontes de energia e devemos equilibrar seu uso. As energias renováveis​​ solar e eólica têm sua capacidade de geração limitada, pois exigem grandes quantidades de espaço e materiais e dependem das condições climáticas para alimentar a rede. Sua duração é em torno de 20 anos e no seu descomissionamento materiais que são utilizados podem causar danos ao homem e ao meio ambiente.

E a nuclear?

A energia nuclear é altamente eficiente, ocupa pequenas áreas, independe de condições climáticas, com a extensão de vida as usinas chegam a mais de 60 anos de uso e seu combustível queimado ocupa pequeno volume e é armazenado de forma contida. O tempo de construção e o investimento inicial são as dificuldades que enfrenta. Desse modo as opções nucleares e renováveis no Brasil são complementares e não competitivas.

Sugestões para o Governo Lula?

Sendo a segurança energética uma questão estratégica para o País, a ABEN já tem apresentado suas sugestões em vários fóruns, incluindo suas publicações. Como já mencionei, pelas diretrizes do PNE 2050, há a previsão de instalação de cerca de 8 a 10 GWe de energia nuclear nos próximos 30 anos e, levando em conta que para construir rápido e a menor custo é necessária a sinalização de uma série de usinas, sugere-se a elaboração de um programa de expansão nuclear, que permita atingir a meta proposta e cujos marcos temporais sirvam de referência e orientação para as empresas envolvidas. Particularmente no PDE 2032 estão a finalização de Angra 3 e a definição dos sítios nucleares onde futuras usinas serão instaladas.

Nada fácil.

Para tanto é preciso aumentar a capacitação nuclear, visando não só ao projeto e construção de novas usinas, mas também a capacitação para realizar o licenciamento e a fiscalização da série de usinas nucleares a ser definida pelo programa. Investir para que o Brasil se torne autossuficiente na produção do combustível nuclear, com a conclusão da unidade de enriquecimento de urânio e a construção da unidade de conversão. Construir o repositório nacional de rejeitos de baixa e média atividade, garantir o aporte de recursos necessários à construção do Reator Multipropósito Brasileiro. Também a formação de pessoal e sua contratação pelas Empresas e Instituições, de forma a repor as enormes perdas dos últimos anos e restabelecer as verbas para pesquisa e laboratórios das instituições nucleares.

Conte um pouco a sua história: onde nasceu, seus pais são da área da ciência?

Nasci em São Paulo, capital, e meus pais não eram da área da ciência. Fui fortemente influenciada pelos professores que tive no curso cientifico como a professora Renate Watanabe, o professor Shigueo Watanabe e a professora Sueko Yassuda, que procuravam nos mostrar o quanto a ciência era interessante e importante e abrir nossos horizontes.

Machismo?

Nunca senti o problema do machismo, mas nunca procurei obter nada por ser mulher, mas sim, pelo esforço, pelo estudo, pela dedicação, competindo lealmente com os homens em pé de igualdade.

Mensagem para as mulheres?

Aliás, essa é a mensagem que deixaria para as mulheres da área nuclear: devemos nos esforçar para vencer dificuldades, desafios, preconceitos, porém isto não significa que devemos obter uma vaga de trabalho, uma promoção, uma chefia, um título acadêmico por sermos mulheres, mas por sermos tão capacitadas, dedicadas, focadas e inteligentes quanto o sexo oposto. Some-se a isso o fato de termos que compatibilizar as tarefas de ser mãe e profissional ao mesmo tempo. Ninguém disse que seria fácil!

PERFIL

OLGA YAJGUNOVITCH MAFRA GUIDICINI – Formada em Física Nuclear pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), cursou Engenharia Nuclear no IPEN/SP, com mestrado e doutorado em técnicas e medidas nucleares pela Escola Politécnica da USP, assistente doutora concursada do Instituto de Física da USP, pesquisadora, professora e orientadora de teses no IPEN, participou das análises e salvaguardas de informação durante o programa nuclear Brasil-Alemanha e do programa autônimo da CNEN, coordenadora das emergências nucleares e radioativas da área de segurança nuclear da CNEN, oficial de operações e de apoio técnico da Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade de Materiais Nucleares (ABACC) durante 14 anos, sócia de Carlos Feu na ECEN Consultoria, que publica a Revista Economia e Energia.

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