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Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

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Águas mais limpas

Irradiação trata, in situ, efluentes industriais e evita poluição em córregos, rios e águas subterrâneas

Fonte: Revista Brasil Nuclear

Um projeto inovador, voltado para o combate à poluição e para a preservação ambiental, encontra-se em fase final de desenvolvimento no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/Cnen) e deverá estar disponível a partir de 2022. Trata-se da Unidade Móvel com Acelerador de Elétrons para Tratamento de Efluentes Industriais e sua Reutilização, um sistema para tratar efluentes industriais no local onde são gerados, evitando que sejam lançados in natura em córregos e rios, com grande prejuízo para o meio ambiente e para a saúde pública.


De acordo com o superintendente do Ipen, Wilson Calvo, a unidade móvel com acelerador de feixe de elétrons tem potencial para tratar um volume entre 20 m3/dia a 1.000 m3/dia, ao custo de US$ 0,60 a US$ 30,1 por metro cúbico, dependendo da composição química do efluente objeto do tratamento. Ela poderá ser usada para o tratamento de efluentes da produção de petróleo, para a dessulfurização de petróleo (processo de remoção de enxofre) e para a degradação de compostos orgânicos tóxicos em águas residuais com fins de reutilização.

Além de prestar serviços de irradiação na própria empresa, o laboratório móvel permitirá ao Ipen oferecer treinamento em manutenção e operação de aceleradores industriais de elétrons e realizar estudos de viabilidade técnica e econômica entre plantas em escala laboratorial e industrial, demonstrando a eficiência dessa tecnologia para resolver problemas de efluentes industriais no Brasil.

O projeto está sendo desenvolvido pelo Centro de Tecnologia das Radiações (CTR) do Ipen, em parceria com a empresa Truckvan Indústria e Comércio Ltda., especializada na fabricação de unidades móveis para as áreas de saúde, capacitação e treinamento profissional, eventos, serviços, defesa e segurança, e a Nuclebras Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep), responsável pela caixa de blindagem radiológica do acelerador. O empreendimento conta com recursos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

O projeto do laboratório móvel é fruto de um programa de pesquisa de tratamento de efluentes industriais, iniciado no CTR em 1992, utilizando um dos seus aceleradores industriais de elétrons fabricados pela Radiation Dynamics Inc., com 1,5 milhão de elétron-Volts (1,5 MeV) de energia, 25 mA de corrente de feixe e 37,5 kW de potência. Em setembro de 1993 foi concluída a construção de uma planta piloto, projetada para tratar 3 m3/h de efluentes líquidos por feixe de elétrons no Instituto. As pesquisas foram desenvolvidas em parcerias com empresas como a Companhia de Saneamento de São Paulo (Sabesp) e a Petrobras e indústrias químicas, farmacêuticas e de tintas, dentre outras. Todos os estudos relacionados ao projeto geraram várias teses de doutorado e dissertações de mestrado, mais de 50 trabalhos publicados em revistas científicas e apresentados em congressos internacionais.

O custo total do projeto da Unidade Móvel com Acelerador de Elétrons para Tratamento de Efluentes Industriais e sua Reutilização é de R$ 7 milhões. Desse total, R$ 1,2 milhões estão sendo investidos pelo Ipen. Cerca de R$ 374 mil foram aportados pela Truckvan, por meio do "Acordo de Parceria para Realização de Atividades Conjuntas de Desenvolvimento Tecnológico” (desenho e especificação do chassi da unidade móvel, adequação do projeto às normas e legislação brasileiras de transporte de cargas, dentre outras); a AIEA investiu 250 mil euros, por meio do projeto "IAEA TC Project BRA1035 - Mobile electron beam accelerator to treat and recycle industrial effluents”, destinado ao treinamento dos engenheiros e tecnologistas do Ipen na empresa coreana EB-Tech, fabricante do acelerador industrial de elétrons; a Finep tem financiamento aprovado de US$ 622 mil, por meio do Projeto "Implantação de unidades móveis visando disponibilizar a tecnologia gerada no Ipen para o setor produtivo e a sociedade/troca de equipamentos obsoletos”.

Projeto multidisciplinar

O projeto, a construção e a operação da unidade móvel envolve profissionais com formações multidisciplinares como engenheiros elétricos, eletrônicos e mecânicos, farmacêuticos, químicos, biólogos, físicos e projetistas, dentre outros.

A parte frontal do veículo conta com uma sala com equipamentos multimidia, notebooks e instrumentos analíticos. "Trata-se de um espaço onde a parte teórica e a prática podem ser expostas e demonstradas. Os equipamentos analíticos, por exemplo, viabilizam avaliar no local de tratamento os efluentes industriais antes e após a irradiação”, explica a arquiteta Fabiana de Faria Lainetti, em sua dissertação de mestrado "Desenvolvimento do projeto arquitetônico de uma unidade móvel de irradiação do Ipen para o tratamento de efluentes industriais”, defendida em 2019 no Ipen/USP. De acordo com ela, a unidade móvel pode levar esse tipo de tecnologia específica para diversas partes do Estado de São Paulo, outros estados do Brasil e até outros países da América Latina. "É uma grande oportunidade de apresentar mais uma alternativa para tentarmos minimizar os problemas que afetam o meio ambiente, muitos deles provocados por diversas ações do homem”, diz.

Em função da pandemia de Covid-19, houve atraso na importação e entrega pela Finep/Fundep do acelerador industrial de elétrons (700 keV, 28 mA e 20 kW). Sua instalação na unidade móvel ocorrerá ainda este ano e será realizada por engenheiros e técnicos da EB-Tech, juntamente com uma equipe do Instituto.

Já a fabricação da Caixa de Blindagem Radiológica para o dispositivo de irradiação do acelerador industrial de elétrons acaba de ser concluída pela Nuclep. A Caixa de Blindagem Radiológica pesa cerca de 15,86 toneladas e tem como objetivo fornecer a proteção adequada a trabalhadores e ao meio ambiente durante as operações.

Benefícios e difusão

Fabiana Lainetti aponta "a necessidade de atendimento à legislação, cada vez mais restritiva, e o impacto positivo na imagem pública do empreendimento, por meio das iniciativas de combate à poluição”, como motivos da difusão que vem ocorrendo com a prática de tratamento de efluentes industriais. Ela também destaca as vantagens econômicas, dentre elas a possibilidade de reutilização da água obtida do tratamento dos efluentes nos próprios processos das empresas.

Já o tratamento in situ dos efluentes, realizado através de unidades móveis, oferece o benefício adicional da eliminação dos custos e dos problemas legais relacionados com o transporte de resíduos.

O tratamento de efluentes industriais por feixe de elétrons vem se disseminando em diversos países, com destaque para a Coreia do Sul e, recentemente, a China. Este país conta com plantas de irradiação instaladas em complexos têxteis, para reutilização da água tratada no processo produtivo de tecidos.

Já no Brasil, diversos fatores ainda dificultam sua utilização em escala comercial, dentre eles: a falta de difusão da tecnologia, de produtores nacionais do equipamento, do alto capital inicial de investimento e a falta de infraestrutura nas indústrias para suportar um equipamento nas dimensões requeridas.

No entanto, segundo Wilson Calvo, em outras áreas como nas indústrias de alimentos, eletrônicas e embalagens, verifica-se nos últimos anos uma ampliação das aplicações dos aceleradores de elétrons, principalmente os de baixa energia (ver Múltiplas aplicações).

Opções de tratamento

As águas residuárias industriais podem conter uma variedade de poluentes, incluindo pesticidas, materiais orgânicos, produtos químicos e tintas, que podem ser prejudiciais à saúde e, em alguns casos, muito tóxicos. Seu tratamento permite eliminar ou minimizar a quantidade de contaminantes, buscando evitar a contaminação de recursos hídricos superficiais e subterrâneos.

Diferentes tipos de contaminantes precisam de diferentes métodos de tratamento. A utilização da radiação, combinada com outros métodos, pode eliminar alguns contaminantes e decompor mais facilmente a matéria orgânica (facilitando o tratamento), necessitando de menos produtos químicos e diminuindo os poluentes secundários. A velocidade do processo de tratamento e maior se comparada aos métodos tradicionais de tratamento, gerando melhor custo-benefício no tratamento de grandes volumes de efluentes.

O objetivo do uso da radiação ionizante, por meio de feixe de elétrons de média e alta energias, no tratamento de efluentes industriais é degradar os compostos orgânicos, diminuindo os impactos ambientais. "Ela pode ser utilizada de forma efetiva para o tratamento de águas residuais, destruindo compostos orgânicos e biológicos, minimizando os contaminantes e removendo as cores e odores indesejáveis”, garante Fabiana Lainetti.

Laboratório móvel

A unidade móvel funciona como um laboratório móvel, que tem equipamentos analíticos, e também como um acelerador de elétrons. Essa unidade vai até à empresa, que pode ser uma fabricante de tintas ou petroquímica, por exemplo, coleta efluentes, analisa e, por fim, aplica elétrons que vão degradar compostos orgânicos. "Com isso, conseguimos mostrar para a indústria que existem tecnologias alternativas ao invés de uma incineração ou de um processo convencional”, explica o superintendente do Ipen, Wilson Calvo. Segundo ele, na prestação de serviços tecnológicos de irradiação às indústrias químicas, petroquímicas e de saneamento, a parceria com a empresa Truckvan é fundamental.

Dentre os processos de tratamento de efluentes industriais contendo compostos orgânicos, destacam-se: Adsorção em carvão ativo e resinas, Biodegradação (aeróbia e anaeróbia), Incineração e Processo de oxidação avançada. A irradiação por feixe de elétrons utilizada na Unidade Móvel é classificada entre as tecnologias de oxidação avançada.

"A grande vantagem é que, no tratamento por radiação ionizante (feixe de elétrons), o processo é homogêneo sem efeito de superfície ou concentração, aplicável tanto para substratos polares quanto não polares, e os efeitos de degradação independem do pH do efluente industrial. Nesse sentido, a tecnologia propicia um amplo espectro de utilização no mercado, tais como, no tratamento de efluentes provenientes das indústrias têxteis, farmacêuticas, químicas, petroquímicas, de fábricas de papel e celulose, de aterros sanitários, de estações de tratamento de efluentes domésticos e industriais, dentre outros”, explica Wilson Calvo. "Há estudos no Ipen e internacionais em diversos setores produtivos, os quais comprovam que o tratamento por radiação ionizante oferece benefícios tecnológicos e econômicos em relação às técnicas convencionais de tratamento de poluentes recalcitrantes”, completa.

Múltiplas aplicações

O acelerador utilizado na unidade móvel produz elétrons a partir de um filamento de tungstênio aquecido, do qual são extraídos e acelerados em um tubo em vácuo, com campo elétrico aplicado, até atingirem uma bobina de varredura, gerando um feixe de elétrons, o qual possui energia para atravessar uma janela de titânio e interagir com a superfície do produto a ser processado. O equipamento é alimentado por energia elétrica, e os elétrons acelerados até atingirem a energia de 700.000 elétron-Volts (700 keV), o que faz com que o efluente industrial ou doméstico não se torne radioativo, após o tratamento.

Os aceleradores de partículas são utilizados na medicina e também em diversas aplicações industriais. Um dos usos mais disseminados no mundo inteiro é a produção de diferentes tipos de radioisótopos, para o diagnóstico e tratamento de doenças. Os feixes de elétrons também podem ser utilizados para reduzir a carga microbiana em plaquetas sanguíneas humanas e em enxertos de pele. E, ainda, para radioesterilizar produtos, incluindo os de uso médico.

Na indústria de alimentos, os feixes de elétrons podem eliminar bactérias patogênicas, tais como Escherichia coli, Salmonela e Listeria, insetos e retardar o processo germinativo em produtos vegetais, aumentando a sua vida de prateleira. Eles também são utilizados em sistemas de segurança, gerando raios X e imagens de diferentes tipos de materiais para a inspeção de cargas densas. 

Outra aplicação industrial é a modificação de polímeros (a exemplo dos fios e cabos elétricos que são irradiados no Ipen) e outros materiais, na indústria eletrônica e na preservação do meio ambiente, através do tratamento de gases tóxicos de combustão, lodos e águas residuais.

Prêmio Inédito na AL

O projeto da Unidade Móvel foi contemplado com várias premiações, destacando-se o Prêmio "Nuclear Technologies for better life”, concedido pela estatal russa Rosatom, em 2019. Fabiana de Faria Lainetti foi contemplada com o prêmio Master Student Paper Award, na International Meeting on Radiation Processing (IMRP 2019), em Estrasburgo, França.

O Ipen foi o primeiro representante latino-americano a conquistar o prêmio, com o projeto "Multipurpose Gamma Irradiation and Mobile Unit with na Electron Beam Accelerator Developed in Brazil” (Irradiador Gama Multipropósito e Unidade Móvel com Acelerador de Feixe de Elétrons Desenvolvido no Brasil). O Instituto concorreu com outros 10 países, com projetos da iniciativa privada como a General Electric (GE) e instituições como a Universidade da California.

Implementado pelo CTR, o projeto refere-se a duas importantes estruturas para a aplicação da tecnologia nuclear: um irradiador de uso contínuo de Cobalto-60 e um acelerador de feixe de elétrons para tratamento de efluentes industriais.

O irradiador de uso contínuo de Cobalto-60 está em atividade desde 2003 e é prioritariamente utilizado para as necessidades do Instituto, como a esterilização dos recipientes usados para transporte e uso de radiofármacos, esterilização de rações e outros insumos do biotério e irradiações de suporte às pesquisas desenvolvidas no Ipen e nas instituições parceiras. Além disso, promove aplicações pioneiras no Brasil, como a desinfestação e a contenção da proliferação de microrganismos em bens culturais e obras de arte por meio da radiação ionizante do Co60.

No meio ambiente, na agricultura...

Umas das primeiras unidades móveis de irradiação por feixe de elétrons foi construída nos EUA, na década de 1990, por pesquisadores da Universidade de Miami, na Florida. O acelerador foi desenvolvido em parceria com a empresa High Voltage Environmental Applications Inc. e possuia 500 keV de energia e 20 kW de potência.

Atualmente, seu uso foi adotado por países como EUA, China, Alemanha e Coreia, entre outros. Um exemplo é a unidade móvel construída pela coreana Eb-Tech para o tratamento de efluentes. Outro exemplo é a unidade construída pela empresa alemã Evonta, especializada em tratamento de sementes, junto com o Instituto Fraunhofer, que projeta, constrói e comercializa aceleradores de elétrons, como solução para prolongar a vida útil e qualidade das sementes, por meio da desinfecção superficial por irradiacao direta. O tratamento oferece um meio rápido, seguro e ecológico de se livrar dos patógenos das plantas utilizando feixe de elétrons.


























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