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Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

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Deixamos de ser coadjuvantes, agora somos protagonistas


Um tratamento de Medicina Nuclear que contribui para aumentar a sobrevida de pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração acaba de ganhar o reconhecimento da comunidade mundial de Oncologia. O estudo "Vision de Fase III” com PSMA-Lutécio177 foi apresentado no American Society of Clinical Oncology (Asco), considerado o mais importante encontro mundial de Oncologia Clínica, realizado no período de 4 a 8 de junho. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), o médico nuclear George Coura Filho, o momento é histórico para a especialidade. "Saímos de uma posição de coadjuvantes, apesar do largo uso e comprovada eficácia da Medicina Nuclear, para a de protagonistas ao ter um trabalho científico da especialidade no Asco 2021”, celebra. "Estamos falando de um tratamento que já está em uso, com resultados preliminares muito positivos e que agora ganha a chancela da comunidade global sobre os benefícios da Medicina Nuclear”, informa o representante da entidade.

"No passado, quando médico oncologista se deparava com o câncer de próstata avançado, o mais indicado seria o  tratamento paliativo. Há mais de uma década, surgiram diversos tratamentos que vêm mostrando benefício na sobrevivência dessa população e a molécula radioativa PSMA-Lutécio177 entra como possibilidade terapêutica de grande peso nesse cenário. Já estamos oferecendo este tratamento nos pacientes brasileiros. Oncologistas clínicos estão tão entusiasmados quanto os médicos nucleares”, revela o presidente da SBMN.

Formado em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e com doutorado em Ciências pela mesma instituição, o dr. George Coura Filho atua no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e no centro de diagnóstico médico por imagem Dimen Medicina Nuclear. Nessa entrevista a Vera Dantas, da Brasil Nuclear, ele fala sobre os desafios da Medicina Nuclear no país e as medidas que considera indispensáveis para a sua expansão, dentre as quais destaca a atualização da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), sem reajuste há 12 anos, e a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB).

O que é a terapia com PSMA-Lutécio 177?

A terapia com PSMA-Lutécio177 combina um peptídeo que se liga a marcadores expressos por tumores e um isótopo radioativo, causando danos ao DNA, o que inibe o crescimento e a replicação do tumor. Esta abordagem terapêutica permite a distribuição direcionada de radiação ao tumor, enquanto limita os danos ao tecido normal circundante. O câncer de próstata é o tipo mais comum de câncer entre a população masculina, representando 29% dos diagnósticos da doença no Brasil. Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) apontam para 65.840 novos casos de câncer de próstata em 2021.

Onde essas pesquisas foram realizadas?

Vários centros no mundo estavam fazendo pesquisas com o Lutécio PSMA. Mas eram estudos retrospectivos, que mostravam algum benefício mas não o que científicamente se categoriza como a melhor evidência científica, como os estudos randomizados, prospectivos, preferencialmente duplo cegos. Recentemente, a empresa farmacêutica Novartis patrocinou um estudo randomizado, prospectivo, que contou com a contribuição de vários centros de pesquisa em todo o mundo. Esse estudo, que demonstrou o melhor nível de evidência do benefício do tratamento com o PSMA-Lutécio 177, foi apresentado na plenária do maior Congresso de oncologia do mundo, que é o Congresso da Asco.

O PSMA-Lutécio 177 utilizado no Brasil é importado?

Sim, tanto o PSMA como o Lutécio. Aqui é feita a rádiomarcação, atualmente, realizada pela empresa RPH, porém, com resultados tão positivos, espera-se novas empresas também entrando neste mercado.

Existem pesquisas no Brasil?

Eu tenho informação que vários centros universitários e de formação médica estão participando de um projeto junto com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).

Qual a sobrevida do paciente?

Isso vai depender muito de qual fase de tratamento esse paciente foi incluído. Se o Lutécio PSMA é aplicado precocemente, a sobrevida pode ser de alguns anos; já se a medicação é usada mais posteriormente, a sobrevida vai ser de alguns meses a mais do que quem não tomou. Já para o Lutécio 177, segundo dados divulgados, a sobrevida global de 15.3 meses para tratamento versus 11.3 meses para o grupo controle. Em relação a sobrevida livre de progressão é de 8.7 meses para tratamento versus 3.4 meses para o grupo controle. Quando a doença do paciente é resistente à castração, a sobrevida é bastante encurtada e ele vai acabar precisando de sequenciamento de diversas medicações. Mas acho que o Lutécio 177 pode ter um papel muito importante, talvez se tornando uma das drogas protagonistas no câncer de próstata.

Qual é o cenário da Medicina Nuclear no país?

Não é de hoje que enfrentamos dificuldades para a obtenção de rádiofármacos, mas com a pandemia alguns problemas foram exacerbados. Um deles é a nossa grande dependência da importação de insumos ativos para uso médico. Com a redução do número de vôos vindo para o Brasil, muitas vezes ficamos sem algumas semanas sem receber esses isótopos radioativos de uso médico para distribuição no território brasileiro, deixando muitos pacientes desassistidos. Outro ponto crítico é que a maioria desses itens são dolarizados. Com isso, houve um aumento de custos significativo, sem o acompanhamento da reposição na tabela SUS, que está sem nenhum reajuste desde 2009, há 12 anos! Já os reajustes do sistema suplementar de saúde ocorrem anualmente, mas, em contrapartida, enfrentamos um aumento considerável do dólar, que quase atingiu 6 reais. Mesmo com essas adversidades a Medicina Nuclear no Brasil tem avançado. A comunidade médica nuclear no Brasil é muito aguerrida. Ela se esforça para conseguir disponibilizar tudo o que o paciente tanto precisa.

Quais as últimas novidades na área de medicina nuclear?

Podemos citar, nos últimos anos, o uso da tomografia por emissão de pósitrons, o PET-CT, assim como a chegada de demais rádiofármacos para terapia, como o dicloreto de rádio 223. Em 2020, a Anvisa fez uma revisão das normas que regem o registro de radiofármacos, o que fez com que tenhamos uma legislação mais moderna que eu acredito que vai permitir a chegada e o registro de novos radiofármacos de uma forma muito mais ágil. Por exemplo, se antes só tinhamos o PSMA com gálio 68, temos agora o primeiro registro de Fluor 18 PSMA para câncer de próstata, que pode ser produzido em cíclotron e ser distribuído para qualquer parte do território nacional.

O sr. poderia citar outro radiofármaco que deve chegar ao mercado?

Esperamos que no horizonte dos próximos dois anos possamos ter marcadores específicos para doença de Alzheimer, avaliando a formação de amilóides cerebrais.

E quais as novas áreas terapêuticas beneficiadas, tanto para diagnóstico como para tratamento?

O leque de aplicações está se abrindo. Por muito tempo, a Medicina Nuclear esteve restrita a tratamentos de câncer de tireóide, hipertireoidismo, a alguns tumores neuroendócrinos como os do trato gastroenteropancreatico, mas começamos a entrar em tumores ainda mais frequentes como o câncer de próstata.

E no câncer de mama, houve avanço?

Os avanços ocorreram em diagnóstico, não só pelo uso do FDG, mas também através de um novo radiofármaco para PET-CT, o fluroestradiol (18FES). Trata-se de um radiofármaco com afinidade por receptores de estrógeno. A ideia é sempre através de alterações moleculares a gente fazer o diagnóstico mais precocemente antes de ter uma alteração anatômica associada, porque sabemos que quanto mais precoce o tratamento do câncer, mais efetivo será o resultado.

O fluroestradiol já está disponível para o público?

Aqui no Brasil, ainda não. Mas eu acredito que a perspectiva também seja similar à dos marcadores de placa amilóide para Alzheimer, ou seja, dentro de um a dois anos tenhamos esse diagnóstico disponível.

No exterior ele está disponível?

Sim, principalmente na Europa. Também no Uruguai e, possivelmente, no Chile.

Em sua opinião, qual o cenário desejável para a Medicina Nuclear brasileira? E o que o sr. acredita que vai ser o possível?

Eu acho que, entre os fatores desejáveis para que a Medicina Nuclear brasileira possa caminhar daqui para a frente está, em primeiro lugar, o Reator Multipropósito Brasileiro. O RMB é importante porque dará autonomia para que o país vá além da produção em cíclotron e não fique mais refém da produção internacional. Além de atender a demanda brasileira de radiofármacos, podemos pensar até mesmo em exportar para a América Latina. Então, eu acho que para diversos isótopos e principalmente para os isótopos de tratamento, onde se inclui o Lutécio 177, é muito importante o RMB. Outra coisa necessária é reequilibrar os custos e os recebíveis pelas fontes pagadoras para os procedimentos de Medicina Nuclear. Quero frisar novamente que a tabela SUS seja recomposta, que possa sofrer um reajuste capaz de recompor porque o que pode acontecer não vai tendo reajuste, os insumos vão ficando mais caros e chega uma hora que os serviços de medicina nuclear não aguentam e acabam fechando. Isso seria muito ruim. Eu tenho uma expectativa muito grande de que o Ministério da Saúde consiga entender, num curto espaço de tempo, que 2009 para cá é muito tempo para que não se faça nenhum reajuste. Por último, é importante termos drogas protagonistas para as mais diversas doenças. Quando os médicos conhecem mais e melhor os métodos da Medicina Nuclear, mais eles irão solicitar o que podemos fazer na expansão do atendimento dos pacientes. Muitas vezes, o médico não prescreve por não saber que está disponível. Há muitos anos eu digo que não adianta nos limitarmos a dar aula para médico nuclear. Precisamos começar a ter mais acesso aos congressos das outras especialidades para divulgar a Medicina Nuclear para o oncologista, o cardiologista, o neurologista, porque só assim que os pacientes desses especialistas terão acesso a seus benefícios.

Já está havendo uma maior visibilidade?

Eu acredito que sim, principalmente em algumas áreas como Oncologia e Neurologia. Mas precisamos aproveitar o momento de holofote proporcionado pela disponibilidade dessas drogas tão especiais para divulgar a importância dos exames e tratamentos da Medicina Nuclear para a melhoria da saúde de milhares de pessoas.

E o possível?

O possível é não medirmos esforços para concretizar o desejável. Acho que devemos continuar insistindo junto aos órgãos governamentais sobre a importância de que o projeto do RMB saia do papel e fazer a nossa parte de solicitar o reajuste da tabela e ampliações no acesso à medicina para os pacientes do SUS, que são cerca de 70% da população brasileira.





















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