Menu Principal
Portal do Governo Brasileiro
Logotipo do IPEN - Retornar à página principal

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

Ciência e Tecnologia a serviço da vida

 
Portal > Institucional > Notícias > Ipen na Mídia

Radiação ionizante: quanto tempo ela pode ficar no corpo humano?

Fonte: Canaltech

Nesta segunda-feira (26), o acidente nuclear de Chernobyl completa 35 anos. Na época, a pequena cidade que era parte da União Soviética — hoje, Ucrânia — foi palco do primeiro acidente nuclear de nível 7 registrado pela humanidade e, passadas mais de três décadas, a região ainda sofre as consequências da radiação. Inclusive, as áreas próximas permanecem desabitadas e os corpos das vítimas ainda carregam algum grau de radiação ionizante.

Para entender sobre os efeitos da radiação ionizante no corpo humano e por quanto tempo eles podem perdurar, o Canaltech conversou com Daniel Perez Vieira, pesquisador do Centro de Biotecnologia (CEBIO) do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/CNEN-SP).

Quanto tempo a pessoa pode ser exposta à radiação?

Antes de explorar os eventuais efeitos nocivos da exposição à radiação, é preciso entender quais tipos, de fato, trazem consequências para o corpo humano. Por exemplo, as radiações não ionizantes, como as ondas de rádio, TV e celular e microondas, não são capazes de induzir o corpo humano a complicações como as que aconteceram no acidente de Chernobyl, isso em nenhuma escala. São somente as radiações ionizantes, como raios-X, fótons gama, partículas alfa, beta, pósitrons, nêutrons ou prótons, capazes de afetar a saúde.

"É difícil dizer quanto tempo um ser vivo pode ser exposto a radiações ionizantes com segurança, sem levar em consideração três outros fatores: a distância da fonte; a atividade da amostra, ou seja, o número de átomos que se desintegram por segundo, liberando energia; e a energia da radiação", explica o pesquisador do CEBIO. "Em Chernobyl, por exemplo, os atingidos foram expostos a grandes atividades radiativas e a radiações de alta energia em distâncias muito pequenas da fonte, o que reduz o tempo de exposição considerado seguro", comenta Vieira sobre o porquê das consequências serem tão graves no acidente.

Questões similares valem também para o Acidente Radiológico de Goiânia — também conhecido como o acidente com césio-137 —, em 1987, quando um aparelho de radioterapia (fonte radioativa) foi manuseado por inúmeras pessoas sem a nenhuma proteção. "Os descontaminadores, tanto em Chernobyl quanto em Goiânia, só podiam permanecer por um tempo muito curto nas áreas contaminadas, como forma de reduzir a exposição às energias das radiações", afirma.

Doses de radiação e os seus efeitos no corpo humano

De forma geral, os riscos para alguém exposto à radiação ionizante dependem do tempo de exposição, da distância da fonte, da energia da radiação e da atividade da amostra. No entanto, o que seriam doses de radiação consideradas nocivas para o corpo?"As radiações ionizantes podem induzir patologias mensuráveis a partir de doses consideradas pequenas (ordem de 0,2-0,5 Sv - Sievert), mas que são muitíssimo maiores do que as doses envolvidas em exposições de diagnóstico", comenta o pesquisador Vieira.

Na prática, uma radiografia de tórax ou uma mamografia causam uma exposição muito menor do que as doses consideradas pequenas de radiação. Em média, a radiografia de tórax entrega 0,02mSv (mili Sievert), ou seja, é 25 mil vezes menor do que a quantidade nociva. Agora, a mamografia expõe a mama da paciente a uma dose de 0,4mSv, ou seja, é 1,2 mil vezes menor.

De acordo com a UNSCEAR (secretariado das Nações Unidas responsável pela padronização de medidas de radioproteção), o corpo humano é exposto, de forma natural, a uma radiação de 2,4mSv por ano. Segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) — o órgão brasileiro responsável por medidas de radioproteção —, o limite anual de exposição é de 3,4mSv por ano. "O 'excesso' de 1mSV poderia contemplar 50 radiografias de tórax, ou mais de duas mamografias, por exemplo, sem que haja aumento de risco carcinogênico nem desenvolvimento de sintomas", aponta o pesquisador.

No entanto, o cenário muda quando uma pessoa é exposta a doses acima de 0,2-0,5 Sv. Nesses casos, "o indivíduo afetado pode apresentar diversas patologias de pele na área atingida, como perda de pelos e escurecimento [maioria dos casos], bolhas, queimaduras e necrose, e apresentar sintomas como náusea, vômito e diarreia", conta Vieira.

Dependendo da dose de radiação, os sintomas iniciais podem evoluir para síndromes, como a da aplasia medular (SAM), que leva à redução da celularidade sanguínea, perda da capacidade do sistema imunológico, hemorragias e anemia. Outro exemplo é ado trato gastrointestinal (STG), conhecida por levar a perda da capacidade de absorção intestinal e hemorragias intestinais.Também há sintomas clássicos ligados à região do organismo que sofreu dano, como mucosite oral, pneumonite e pericardite, por exemplo.

"A maioria dos expostos em Chernobyl apresentou mucosites e efeitos cutâneos. Os expostos à doses maiores desenvolveram a síndrome aguda da radiação (SAR), na qual os expostos podem apresentar misturas dos sintomas citados acima, com predominância das mucosites, sintomas cutâneos, e danos na medula óssea e trato gastrointestinal", afirma o pesquisador. Além disso, algumas pessoas que foram expostas a doses menores desenvolveram sintomas não-agudos (posteriores), como cânceres de tireoide, ovário e pulmões.

Dá para calcular quanto tempo a radiação pode ficar no corpo?

Dependendo dos fatores de exposição, principalmente da forma como se deu a exposição, a radiação pode permanecer por muitos e muitos anos na superfície ou no corpo de um indivíduo. "Caso haja incorporação de material radioativo, cadáveres podem emitir radiação por vários anos ou séculos dependendo do isótopo incorporado", explica Vieira.

No caso de Chernobyl, a explosão da usina nuclear espalhou diversos isótopos, como o 60Co (cobalto 60) e o 90Sr (estrôncio 90), sendo que a meia-vida radioativa do 60Co é de 5,3 anos e a do 90Sr é de 29 anos. Vale explicar que o termo meia-vida radioativa é usado para definir o tempo que demora para que uma amostra de determinado isótopo perca metade de sua atividade. Dessa forma, "cadáveres contaminados por 90Sr ainda possuem pouco menos da metade da atividade de 1986", comenta Vieira sobre o caso ucraniano.

No caso de Goiânia, a meia-vida do 137Cs (césio 137) é de 30 anos. Por isso, os casos graves do incidente foram sepultados em caixões blindados, já que ainda há cerca de metade da radioatividade de 1987. No entanto, "essa situação ocorre apenas em caso de incorporação de isótopos radioativos. Casos que envolvem exclusivamente exposição, sem contato direto com o material, não contaminam e não deixam radioatividade residual", ressalta o pesquisador.

Atualmente, há diversas técnicas de descontaminação que removem isótopos da superfície ou do interior do organismo, o que reduz a incorporação e os efeitos em alguns casos, mas não há como remover o processo físico da radiação e nem o seu dano. "Uma vez lesado, o tecido vai apresentar várias reações patológicas irreversíveis. Para nos protegermos da energia devemos reduzir o tempo de exposição, aumentar a distância da fonte e usar blindagens quando possível", completa Vieira.

Eventos