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Comunidade da USP apresenta índices 'alarmantes' em saúde mental, diz professor, em colóquio no IPEN

Sanitarista com experiência no SUS, Ricardo Teixeira abriu o XXI Workshop da Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear do Instituto trazendo números preocupantes.

Levantamento feito pela Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP mostrou que 25% da comunidade faz uso de medicamento psiquiátrico e que os estudantes de graduação e de pós-graduação são os que vêm apresentando os mais altos níveis de sofrimento mental. Os dados foram apresentados pelo professor Ricardo Teixeira, da Faculdade de Medicina (FM-USP) e coordenador da Diretoria de Saúde Mental e Bem-Estar Social.

Teixeira proferiu o colóquio "Saúde Mental e Aprendizado”, abrindo a programação do XXI Workshop do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear IPEN/USP, na manhã de sexta-feira, 14, no campus do IPEN, na Cidade Universitária. O médico comentou que, desde a criação da Pró-Reitoria, em maio, ele e sua equipe têm feito uma "turnê” pela universidade a fim de elaborar um diagnóstico e posteriormente um programa efetivo de atenção à saúde mental da comunidade.

"Estamos diante de uma situação bastante crítica e muito demandante, emergencial, em relação às questões de saúde mental, num cenário de muito poucas respostas políticas da universidade. Há um passivo da USP muito grande nesse campo, e estamos procurando aprofundar esse diagnóstico e produzir respostas consistentes para esse cenário no contexto da universidade”, afirmou Teixeira, que é médico sanitarista com larga experiência de atuação em saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS).

A experiência acumulada no SUS, segundo Teixeira, é o que está "ajudando a pensar a situação específica no contexto da USP”. Focando sua apresentação no diagnóstico, ele ressaltou que saúde mental é uma questão de saúde público em nível global e que pandemia da Covid-19 agravou ainda mais a incidência de pessoas com sofrimento mental. Os dados, de acordo com o médico, são "alarmantes” – em escala global e nacional, e já vinham em crescimento antes do contexto pandêmico.

"Mesmo nos primeiros momentos, em março de 2020, já se falava em uma quarta onda, imaginando que haveria duas ondas de infecção por Covid-19, uma terceira que seria o agravamento das condições crônicas que ficariam desassistidas, e uma quarta onda, que seria de transtornos mentais”. Teixeira afirmou que o descontrole do cenário epidemiológico na pandemia trouxe múltiplas ondas, inclusive a ‘onda M’, da saúde mental, que veio se agravando e persiste como uma ‘sequela’ coletiva em escala global.

"Nós temos um plus de problemas que podem ser atribuídos ao cenário pandêmico, e ressalto que não estamos na pós-pandemia, estamos em outra etapa da pandemia, melhor que uma etapa anterior, pois não temos o peso do confinamento, mas temos ainda uma série de alterações na nossa vida cotidiana, e na universidade temos sentido bastante isso”, ressaltou Teixeira. Ele se refere "a uma série de fobias sociais que se constituíram e que têm dificultado o reencontro no espaço da convivência social”.

Teixeira comentou que não poderia falar desse tema na USP sem trazer a referência do problema como sendo universal. Durante sua atuação no enfrentamento das questões de saúde na política pública brasileira, o médico viu a saúde mental sair da condição de "subcapítulo” para o "primeiro grande tema da saúde, mundialmente falando”. "Ou seja, a saúde mental, de um problema, se tornou o problema de saúde pública”, disse, citando relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o tema.

No Brasil, não é diferente, de acordo com Teixeira. O número de suicídio entre os jovens no país, por exemplo, dobrou na última década. Afora isso, os transtornos de ansiedade e depressão atingem um percentual de 15% a 30% da população mundial, números que "colocam em xeque as respostas habituais ao problema da saúde mental. "Quando uma condição chega a prevalências de 15%, 30% ou mais da população, nem podemos mais pensar em respostas especialistas para isso”.

Teixeira ressalta que não existem profissionais de saúde especializados, em número, capazes de fazer frente à demanda. Esse cenário é o que tem instigado pesquisadores da área a procurarem alternativas inclusive não especialistas. "Fala-se muito em brigadas de saúde mental, a partir da ideia de que precisamos ter parcelas da população leiga treinadas como socorristas em saúde mental”, disse o médico, dando uma ideia de para onde o cenário está caminhando, segundo suas palavras.

"Números alarmantes

Voltando ao contexto da USP, Teixeira comentou que uma das primeiras ações da Pró-Reitoria foi distribuir um questionário para toda a comunidade, trazendo questões ligadas à ambiência, ao clima institucional e de saúde mental para entender, preliminarmente, um pouco qual seria o panorama no último ano na universidade. Uma das perguntas era se a pessoa havia tido algum problema de saúde mental no último ano.

"Vou dar números redondos, apenas para vocês ficarem com as ordens de grandeza na cabeça”, alertou o médico. Segundo o levantamento, 50% da comunidade da USP referiu ter tido problemas de saúde mental no último ano. "Vejam, metade da universidade”. Também foi perguntado se a pessoa havia procurado ajuda profissional especializada no período. "Seria um indicador de que não se tratada de mal-estar subjetivo, mas que o respondente achou que precisava de ajuda. Praticamente o mesmo número, com variações de 51% para 49%”, pontuou Teixeira.

O médico salientou que os dados ainda estão em análise, e que estão sendo tabulados de forma estratificada. Pelo anuário estatístico da USP, a comunidade hoje corresponde a 119 mil pessoas, mais ou menos 85% são alunos de graduação e de pós-graduação, e o questionário foi respondido por 14 mil respondentes, mais de 10% do total. Na análise, os índices foram separados subgrupos de acordo com o vínculo (estudantes, servidor técnico-administrativo, professor etc.).

De acordo com Teixeira, nesse número de 50%, quando se olha para os estudantes de graduação, o percentual é de 60% que procuraram ajuda especializada para problemas de saúde mental no último ano. Outro dado: ¼ da comunidade da USP faz uso de medicação psiquiátrica continuamente. "Qual a leitura que fazemos sobre a determinação desse estado de coisas?”, indaga o professor, ressaltando a sua área de atuação no Departamento de Medicina Preventiva.

"Temos o foco na prevenção e, portanto, o nosso campo teórico é o da chamada determinação social do processo saúde-doença, ou seja, estudamos para saber os determinantes para intervir sobre eles, pois estamos falando de prevalências, e não temos como responder somente com assistência, só com atendimento psiquiátrico ou psicológico. Evidentemente, nós temos uma questão relacionada à assistência também, na USP”, explicou.

Teixeira se refere a outra pergunta do questionário, se o respondente teria/teve como acessar ajuda especializada, nos casos em que mencionou ter tido problema. De acordo com o médico, um terço da comunidade acadêmica, incluindo todos os segmentos, referiu não ter acesso a nenhum tipo de recurso em saúde mental. "Ou seja, uma parte significativa da comunidade”. Analisando somente os alunos de graduação, o número é alarmante: 40% não têm condição de tratar de seu sofrimento psíquico.

Teixeira diz que, para esse segmento, que está em intenso sofrimento e desassistido, a USP precisa garantir o cuidado. "Então, é importante, sim, a gente fortalecer a retaguarda assistencial. Entendemos que a universidade precisa olhar para essas pessoas, garantindo o acesso a psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfim, uma equipe com grande potencial de intervenção nesse tipo de condição de sofrimento”.

"Permanência estudantil”

Enfatizando, contudo, que é fundamental intervir mais na determinação social do sofrimento, Teixeira destaca que a Diretoria de Saúde Mental e Bem-Estar Social vinculada a uma Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento não é casual. A própria criação da PRIP é um dos fatos institucionais mais marcantes na história da USP. "Quero chamar a atenção para a transcendência desse fato, que foi motivado por questões de força maior”.

Teixeira se refere ao que considera "mudança da base demográfica” da USP, afirmando que a composição demográfica da população da Universidade de São Paulo se transformou, nos últimos anos, com a política de cotas. "Temos hoje 50% dos graduandos oriundos de escola pública, isso já fala bastante sobre a mudança da composição da origem socioeconômica dos nossos alunos. Temos uma maior presença da população negra na universidade e de outras minorias”, ressalta.

Essa nova "reengenharia social”, promovida pela política de cotas, lança novos desafios, que Teixeira sintetiza em poucas palavras: o desafio da permanência estudantil. Isso porque há vários fatores que "expulsam esses alunos do espaço”, desde a própria condição socioeconômica, que não é pequeno o papel em garantir a permanência do aluno. A USP oferece auxílio-moradia, auxílio-livro e outras formas de ajuda, mas esta é uma linha que deverá ser incrementada pela nova política de inclusão e pertencimento.

Qualificar a moradia estudantil no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) – atualmente em situação "calamitosa”, com alguns blocos de cimento abandonados em absoluto sucateamento – é uma prioridade política da atual gestão da USP. "Fazer do Crusp algo que mereça ser chamado de moradia estudantil é fundamental, porque a moradia é um importante indicador do nosso cuidado e atenção a justamente ao tipo de política de permanência que a queremos fazer”.

Teixeira alerta que o acesso a psicólogo e psiquiatra não resolve o problema da saúde mental, ao contrário, deve ser motivo de preocupação, pois "muitas vezes é um sintoma do estado de coisas na comunidade universitária”. Sintoma – explica – de como podem entrar para não alterar a determinação do sofrimento mental. Um determinante importante no ambiente acadêmico é a competitividade e a produtividade exacerbadas, aponta o médico.

"No entanto, a demanda pela medicação é, muitas vezes, um recurso para se adaptar a esse ambiente. Em outras palavras, eu preciso acessar a esse recurso para sobreviver nesse ambiente que é adoecedor e que permanecerá intocado”, alertou. E citou também outros fatores determinantes sociais de adoecimento psíquico como racismo, misoginia, homofobia, transfobismo, "LGBTQ+fobia”, assédio e outras formas de violências pessoais nas relações de trabalho entre alunos, entre professor-alunos etc..

"Nosso diagnóstico é de que a universidade ainda se colocar como um ambiente hostil para uma parcela significativa do alunado é um determinando do sofrimento psíquico que os dados da pesquisa têm revelado para nós. Porque se a gente estratifica por cor, nível socioeconômico, orientação sexual, é evidente a expressão de sofrimento mental. Ou seja, os números alarmantes que trago para vocês envolvem fundamentalmente estudantes de baixa renda, negros e a comunidade LGBT, que possui os piores indicadores de saúde mental dentro da USP”.

Teixeira finalizou sua palestra dizendo que transformar todos os aspectos relacionados a uma dada cultura enraizada na universidade é o objetivo da política de saúde mental e isso se fará com toda a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, nas suas cinco áreas de atuação. "Obviamente, a nossa Pró-Reitoria não fará isso sozinha porque ela mesmo transversaliza as outras pró-reitorias e vamos trabalhar junto com graduação, pós-graduação, pesquisa e inovação, uma parte importante da nossa vocação na USP. Inovar na atenção à saúde mental diante do sofrimento psíquico na universidade”.

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